Existe uma música que vem se impondo há anos como forró, mas que é uma derivação da lambada. Uns a chamam “forró avestruz com leite”, porque não tem a menor semelhança melódica, rítmica, instrumental ou poética com o forró, que defino a partir das obras de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, João do Vale, Antonio Barros e Marinês. Todo mundo é livre para fazer forró. Eu mesmo já compus vários. E é claro que cada artista mistura a esse forró tradicional seus elementos próprios. O forró feito por Totonho ou Geraldo Azevedo não pode ser o que é feito pelo Trio Nordestino. Tem outros elementos.
O problema é quando começam a chamar de forró uma música que não tem a mais remota ligação com ele, a não ser o fato de que é feita no Nordeste, por músicos nordestinos, e aqui ou acolá aparece uma sanfona. Esse falso forró não passa de uma adaptação da lambada, que por sua vez é uma adaptação do “zouk”, um tipo de música dançante muito tocado nas colônias francesas do Caribe (Martinica, Guadalupe, etc.). Nela, misturam-se passos das danças de salão tradicionais, com ênfase na rodadinha que faz subir o saiote, mostrando a calcinha da dama.
No verão de 1988 o cinesta Olivier Lorsac foi fazer um documentário em Porto Seguro. O ambiente, a música, a sensualidade das pessoas, tudo isto lhe deu a idéia de criar um produto que pudesse ser vendido no mundo todo. Ele chamou o produtor musical Jean Karakos, e os dois bolaram uma estratégia. Primeiro, formaram um grupo, o Kaoma, com músicos franceses e uma vocalista brasileira. Pensaram em lançar logo um disco, mas não se apressaram. Em vez de visar o verão europeu de 1988, organizaram-se para que tudo estourasse no verão seguinte, meados de 1989. Neste ínterim, a banda foi compondo e ensaiando, e eles vieram ao Brasil para comprar os direitos de execução de todos os artistas com repertório do gênero: Beto Barbosa, José Orlando, Banda Mel, etc. Foram assinados contratos com o refrigerante francês Orangina e com a rede de televisão TF 1. No verão de 89, o mundo inteiro viu o casal de dançarinos (o menino preto e a menina loura) dançando ao som de “Chorando se foi, quem um dia já me fêz chorar...”, uma bela canção em tom menor.
A lambada é uma picaretagem? É um golpe? É um crime? É um assalto cultural? Não, nada disso: é comércio puro e simples, é o que acontece quando alguém tem a percepção correta de que um produto “vai vender como água” – percepção sutil, tão intuitiva e refinada quanto a inspiração artística. A lambada foi uma jogada de marketing que enriqueceu alguns de seus participantes (a vocalista, e co-autora de “Llorando se fué” confessa ter cedido seus direitos por uma merrequinha). O problema é a quantidade de jogadas semelhantes que inspirou em empresários que, não podendo usar o termo “lambada”, para não pagar direitos aos donos, usam o termo “forró”, cujo dono é o Povo. O problema é que o Povo não pode tirar escritura do que é seu.
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Um comentário:
O grupo Kaoma regravou a canção 'chorando se foi' alterando seu nome original para 'lambada' e ocultando os créditos para os verdadeiros compositores que são bolivianos, o que mais tarde rendeu vários processos pelos direitos autorais. A vocalista do grupo Kaoma não era co-autora da música e os autores (bolivianos) não cederam os direitos autorais por uma merreca, eles foram roubados. Isso rendeu um grane processo judicial, no qual os autores ganharam milhões, não foi uma merreca.
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