segunda-feira, 10 de março de 2008
0173) A loucura da razão (10.10.2003)
As Utopias são tentativas de criar mundos baseados na ordem, na justiça, no equilíbrio. O sonho utópico existe também no campo dos idiomas, e não têm sido poucas as tentativas de criar línguas artificiais baseadas na lei e na ordem.
A mais bem sucedida até hoje é o Esperanto, se bem que o Klingon, criado pela comunidade de fãs do seriado “Star Trek” já pulou em poucos anos para o segundo lugar.
Na minha opinião, todavia, um indivíduo que se senta à escrivaninha e pega a caneta para inventar uma língua a partir do zero já está dando pistas de uma certa “variância” mental, parecida com a daquele doido do lixão de Salvador, que ficava com um apito na boca indicando aos urubus em que direção deviam voar.
Um desses indivíduos foi o padre espanhol Bonifácio Sotos Ochando, que por volta de 1845 criou a “Língua Universal”, com a qual queria resolver os problemas de comunicação da humanidade. A história do Padre Ochando é um dos mais divertidos capítulos do divertidíssimo livro Babel e Anti-Babel (SP, Perspectiva, 1970), onde Paulo Rónai analisa as principais línguas inventadas.
Explica o mestre húngaro-brasileiro que a idéia do Padre era luminosamente lógica. Todos os conceitos podiam ser indicados pelas letras do alfabeto e suas posições.
A primeira letra de uma palavra, por exemplo, indicaria sua classe; a segunda, sua subclasse; a terceira, o gênero; a quarta, a família, a quinta, o indivíduo. A terminação, por sua vez, indicaria a espécie gramatical: “C” para os advérbios, “L” para conjunções, “E” para interjeições, etc. Assim, bastaria saber de cor a tábua classificatória para, ao ver uma palavra, decodificá-la instantaneamente.
Em vez de palavras evoluídas ao léu, como estas que estou usando, teríamos uma linguagem de lógica tão infalível quanto a Geometria de Euclides ou a tabela periódica dos elementos.
Bastaria vermos a palavra “ERUBA”, por exemplo, para saber pelo E inicial que se trata de um ser vivo, pelo R que é um animal vertebrado, pelo U que é um mamífero, pelo B que é um ruminante sem chifres, e finalmente pelo A que é um camelo. Sem falar em outras sutilezas, como o uso de um F final para indicar admiração, tornando obsoleto o ponto de exclamação. A palavra ERUBAF, portanto, significaria algo como “Que camelo!”
De boas intenções, contudo, está pavimentado não só o caminho do inferno, como também o do hospício mais próximo. Se lógica e ordem fôssem as únicas virtudes existentes, não seríamos pessoas, e sim cristais de neve comunicando-se por palíndromos.
O Padre Ochando tentou classificar e dicionarizar todas as coisas e todos os conceitos do mundo, mas da sua língua perfeita salvou-se muito pouco.
Rónai transcreve, a título de despedida, as primeiras linhas do Padre Nosso, na Língua Universal: “Lu Lagu sacasen, safe riaburbem be el amadas, su naglarden na sacen ibape, agoldirden lis sacas na sacen apebe, su-riajerden na sacen ucabe be anabe jal be el amada.” Amém!
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