Para a maioria das pessoas o nome "ficção científica" evoca apenas o lado popularesco do gênero: os filmes de Lucas & Spielberg, os quadrinhos (de Flash Gordon à Marvel Comics), os seriados tipo Jornada nas Estrelas.
A verdadeira ficção científica, no entanto, tem suas raízes nos contos filosóficos dos séculos 17 e 18, e nos chamados "romances científicos" do século 19: obras especulativas e filosóficas, como o Somnium de Kepler (1634), que descreve uma viagem à Lua e as criaturas que ali habitam; Micrômegas de Voltaire (1753), onde dois habitantes das estrelas ironizam a espécie humana; Frankenstein de Mary Shelley (1818), a primeira história de criação da vida em laboratório; etc. e tal.
Augusto dos Anjos, cujos autores preferidos eram Herbert Spencer, Haeckel e outros, criou sua poesia dentro desse ambiente de crenças evolucionistas, em que os pensadores se perguntavam: O que é a humanidade? O que nos distingue dos animais, dos microorganismos, dos vegetais? De onde surgimos? Em quê iremos um dia nos transformar?
Essa visão em escala cósmica, em escala de milhões ou bilhões de anos, está praticamente ausente da literatura brasileira, na época em que Augusto dos Anjos escrevia; e da poesia brasileira então, nem se fala.
Augusto era considerado um excêntrico por seus contemporâneos, pelo linguajar científico que empregava. Hoje, podemos perdoar a estranheza com que os poetas daquele tempo o viam. Habituados a citar a mitologia grega, quando queriam mostrar erudição, era natural que se espantassem diante de um poeta que citava Buda, o Rig-Veda, Schopenhauer, Nietzsche e Hoffmann.
A poesia de Augusto pertence ao mesmo mundo cultural dos romances que Olaf Stapledon viria a publicar na década de 1930: Last and First Men e Star Maker, onde bilhões de anos da humanidade futura são descritos com imensa força visionária.
Augusto falava nas coisas do seu presente: em "telefone", em "escafandro", em "eletricidade". Falava do futuro que começava a surgir nas primeiras páginas dos jornais: "energia intra-atômica liberta", "Raio X", “análise espectral”, "universo radioativo", "íons", "o milagre estupendo da aeronave".
Mais do que ser o poeta da Morte, que também foi, ele era o poeta da metamorfose, da transformação; e seu desespero diante da Morte era menor que sua angústia diante dos seres que, podendo transformar-se em algo superior, estacionam ou regridem.
Augusto visualizava a si próprio vagando pelo universo “vestido de hidrogênio incandescente”; imaginava a Humanidade sofrendo “a espionagem fatídica dos astros”. Para ele, o firmamento era “uma caverna oblonga em cujo fundo a Via-Látea existe”.
Ao erguer os olhos para as estrelas, Augusto não via as “virgens mortas” dos parnasianos. Via, antecipando Arthur C. Clarke e Stanley Kubrick, “a gestação daquele grande feto que vinha substituir a Espécie Humana”. Tido como doido, era o único poeta brasileiro que vivia no mundo real.
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