O que dizer da Grafologia? Em primeiro lugar, parece-me óbvio que cada pessoa tem uma caligrafia própria. Existem métodos relativamente simples para provar a autenticidade de um manuscrito de Shakespeare, ou para afirmar que a assinatura de Zezim das Couves num cheque foi falsificada. Há uma relação de causa e efeito entre uma pessoa e os volteios característicos de suas letras manuscritas. Mas daí vai uma longa distância até dizer que é possível usar a grafologia para adivinhar traços do caráter ou até (como querem alguns espertinhos) aconselhar o futuro.
Um grafólogo disse certa vez numa entrevista uma coisa com que concordo: “Não escrevemos com a mão, escrevemos com o cérebro.” Está certo. No colégio, eu ficava matutando sobre a espantosa semelhança entre a minha letra no caderno e a minha letra no quadro-negro. “Braulio, vá ao quadro! Escreva aí: Sebastião comprou seis dúzias de laranjas, a 8 cruzeiros cada...” Quando eu voltava a sentar, não podia deixar de perceber que a palavra “Sebastião” no quadro tinha quase meio metro de extensão, e a do caderno uns 3 centímetros; mas eram quase idênticas. A do quadro tinha sido traçada através de movimentos conjugados do ombro, do cotovelo, do pulso, dos dedos que seguravam o giz; a do caderno, por movimentos mínimos dos músculos dos dedos que seguravam a caneta. Estes dois conjuntos de movimentos, contudo, obedeciam ao mesmo software instintivo.
Nossa grafia é tão pessoal quanto o timbre de nossa voz, quanto o nosso rosto. Podemos deduzir muita coisa sobre uma pessoa através dessas informações, mas estaremos sempre usando o chutômetro, atirando no que vemos para acertar no que não vimos. “Você é uma pessoa alegre, gosta da vida, mas tem seus momentos de desânimo...” Assim, meus camaradinhas, até eu. Conheço indivíduos cultíssimos que têm uma letra digna dum chapeado. Pessoas extremamente racionais e metódicas cuja caligrafia parece uma briga de insetos. Mulheres maduras, poderosas, seríssimas, que desenham letrinhas de adolescente boba. Existe uma relação pessoal, direta, única entre a pessoa e sua letra; mas não podemos deduzir dessas relações individuais nenhuma regra geral, a não ser as mais generalizantes possíveis.
Tudo nosso é personalizado. Acontece que é muito mais fácil escolher, para analisar, aqueles dados mais fáceis de coletar, arquivar, manusear. Daí a leitura das linhas das mãos, da caligrafia, do signo astrológico. Se alguém pudesse ter acesso e comparar os estilos de mastigar de cada pessoa (ou de trocar pneu de carro, ou de escovar os dentes, ou de enxugar o corpo após o banho, ou de virar páginas de livro, etc.) veria que cada uma tem um padrão único, que não se repete. Veria também (acredito) que esse padrão é consequência do hábito, da imitação, da educação, de impulsos inconscientes; mas que não corresponde a ele um padrão de personalidade. Como a impressão digital: é só nossa, mas não é uma síntese cifrada do que somos.
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