terça-feira, 11 de março de 2008

0231) O editor e o autor (17.12.2003)





(Conan Doyle)

No verão de 1889, John Marshall Stoddart, editor do “Lippincott´s Magazine” da Filadélfia (EUA), chegou a Londres para preparar o lançamento da edição britânica da revista, que atravessava um bom momento comercial. 

Uma das estratégias adotadas foi contactar novos escritores que já tinham seu público mas ainda não eram medalhões. 

Stoddart convidou dois destes autores para um jantar no Langham Hotel: Oscar Wilde, um poeta e contista que àquela altura, aos 35 anos, ainda não tinha escrito as peças teatrais que lhe dariam fama e fortuna; e Conan Doyle, um médico que aos 30 anos já publicara alguns volumes de contos e um romance histórico, A narrativa de Miquéias Clarke, bem recebido pela crítica.

Não conhecemos os detalhes deste jantar, mas sabemos suas consequências. Stoddart encomendou a cada um dos escritores um romance para ser serializado na revista. 

Wilde produziu O retrato de Dorian Gray, que acabaria sendo o único romance que chegou a escrever, e é um desses livros que todo mundo conhece. 

Doyle lembrou-se de Um estudo em vermelho, um obscuro romance que publicara em 1886 tendo como personagem um detetive chamado Sherlock Holmes, e escreveu em apenas seis semanas a segunda aventura do detetive, O signo dos quatro

Os historiadores acham provável que haja uma certa influência das atitudes decadentistas de Wilde no fato de que neste segundo livro Holmes aparece pela primeira vez usando cocaína – o que na época não era crime, apenas algo levemente escandaloso.

Como se vê, editores têm um papel decisivo na história de literatura, mesmo não redigindo uma linha sequer. A função de um editor é tornar possíveis as obras, é estimular os autores, dar-lhe idéias ou pedir-lhes que as tenham. 

Eu poderia ter recorrido a exemplos mais ilustres (o Papa encomendando a Miguel Ângelo a pintura da Capela Sistina), mas preferi lembrar um episódio um tanto obscuro, porque desses episódios obscuros existem milhares, talvez milhões.

As deformações e as brutalidades do sistema industrial-capitalista têm sido tais que produzem imagens distorcidas. Autor e editor são, basicamente, parceiros, e não patrão e empregado. Se não existissem escritores, os editores estariam pedindo esmolas embaixo do viaduto, ou mudariam de profissão; e vice-versa. 

A função do escritor é criar um texto, a função do editor é produzir um livro. O texto é de um, o livro é do outro. O texto é uma obra literária; o livro é um produto industrial que serve para tornar essa obra literária acessível a muita gente. 

Poucas coisas terão sido tão benéficas para a literatura, num momento específico, quanto a existência de um editor cercado de autores cujo talento ele percebe. Bem aventurado o editor que percebe o talento de alguém e lhe diz: “Traga alguma coisa bem legal, e deixe o resto comigo.”






Um comentário:

Ben Oliveira disse...

Mais um ótimo post neste blog.
A leitura foi recomendada pelo editor de uma antologia.
Fantástico!