("Bill Evans" by John Froehlich)
São 13:44 e o pianista de jazz senta-se ao teclado.
Alguém lhe pede que faça um improviso: os gravadores estão ligados, os microfones estão em posição. Ela começa a passear os dedos pelas teclas.
O jazz já foi descrito como o encontro entre a imensa capacidade improvisativa dos africanos e a imensa riqueza de combinações da escala musical européia, materializada no piano. São mil anos de evolução musical em duas linhas paralelas que se encontraram nos Estados Unidos no século 20.
Aconteceu com o jazz o mesmo que aconteceu com outras criações culturais norte-americanas, que foram descobertas, valorizadas e mantidas vivas pela Europa.
Os negros americanos, de Louis Armstrong a Dizzie Gillespie, faziam uma música dançante, alegre, mas cuja complexidade rítmica e harmônica não era percebida pela maioria do público. Foi preciso que os intelectuais franceses, mais embebidos de uma cultura musical erudita, percebessem que quem estava ali não era simplesmente um grupo de crioulos alegres e bem-humorados fazendo uma música de baile. Eram músicos tão sofisticados quanto qualquer músico erudito, só que fazendo uma música diferente.
No jazz, estruturas de grande complexidade são propostas, e os músicos em seguida ficam ali no palco, entregues a si mesmos, e com a obrigação de criar alguma coisa dentro daqueles “motes” sonoros.
Música é engraçado. Parece tão pouco – e parece tão muito. É o mesmo que ocorre quando a gente se senta diante do outro teclado, o do computador. São apenas 23 letras! Como diabo alguém conseguiu escrever A Divina Comédia inteira, usando apenas 23 letras?
Me lembra o comentário seco do maestro Rogério Duprat, quando um dia um crítico achou dois arranjos dele muito parecidos um com outro: “As notas musicais são sete.” Duprat sabia que não são somente 7, e mais, sabia que o que conta não são as notas em si, e sim as infinitas possibilidades de variação em estruturas que ficam um grau de complexidade acima das simples notas.
Assim como na escrita verbal existem apenas 23 letras, mas existem centenas de milhares de palavras, e as combinações possíveis entre essas palavras tendem (no caso da vida humana, ah meu Deus, tão curta) ao infinito.
É nessa faixa mais complexa, e inesgotável, que ocorre o improviso musical e o improviso verbal. Ele nunca será o mesmo, porque no momento de improvisar o artista (músico ou poeta) recorre a faixas diferentes da consciência, que nunca estão exatamente da mesma forma. São os fatos do dia, são os rostos em volta, são as emoções daquele instante único e irrepetível, são os assuntos conversados há meia hora no camarim; tudo isto cria em sua mente uma teia sempre diversa de associações de idéias.
Toda sua experiência de vida e sua memória cultural volta a ser filtrada desde o momento em que começa a improvisar (e não há dois momentos destes que sejam iguais) até o momento em que se ergue do teclado, às 13:58.
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