terça-feira, 11 de março de 2008

0211) Numerologia (23.11.2003)

Há um capítulo de Guerra e Paz em que Pedro Besukhov pega uma tabela numerológica e começa a calcular o valor numérico dos nomes de personagens da época. Ele descobre que ao somar os valores das letras de “L´empereur Napoleón” o resultado é 666; e depois que “L´russe Besukhov” dá o mesmo valor. O que significa isto? Que tanto ele quanto Napoleão são bestas do Apocalipse? Ou que é ele o russo destinado a equilibrar a energia negativa do imperador francês? Ele percebe que seu nome só soma 666 quando é omitido o mesmo “e” omitido no nome anterior, por menos gramatical que seja o resultado (“L´russe”).

Meus leitores já comentaram a minha esquisita fixação em coisas como palíndromos e anagramas. Pois bem, mais esquisita ainda, para mim, é a fixação das pessoas que acreditam em Numerologia, acreditam que os valores numéricos das letras de seu nome têm relação com seu caráter ou com seu destino. Quando eu perco noites inteiras tentando fazer um anagrama de um nome ou de uma frase, estou simplesmente procurando me distrair com um passatempo. Jamais me ocorreria imaginar que se deva a algo mais do que coincidência o fato de “saudade” dá como anagrama “dá adeus”, que “Suassuna” dá como anagrama “suas naus”, que “maconha” dá como anagrama seu sinônimo “cânhamo”. A que se deve isto? Predestinação cósmica? Não: um número limitado de letras do alfabeto, um número limitado de combinações significativas (que formam sílabas e palavras), e um sujeito sem coisa melhor para fazer.

Não conheço nenhum banqueiro ou executivo de multinacional que tenha mudado seu nome de Antonio para Anthonyo para atrair os eflúvios positivos do Universo. Só quem faz essas besteiras é cantor, ator, cantora, atriz. Por que esse pessoal acredita nesses cabalismos-de-bolso? Maldo eu que é pelo fato de serem pessoas que ganham rios de dinheiro, oceanos de atenção, dilúvios de paparicagem, e lá no fundo têm a angustiante sensação de que nada fizeram para merecer aquilo tudo. Gravaram um disco com uma duziazinha de canções sem-você-não-sei-viver, venderam milhões de CDs, ganharam milhões de reais... e acordam no meio da noite, suando frio, achando que aquele sonho vai acabar de repente. Acham que pisaram por acaso numa mina-de-ouro cósmica, e que esse ouro não lhes pertence, vai ser-lhes arrebatado daqui a pouco pelo cosmos em pessoa.

A solução? Apaziguar as potestades invisíveis, cobrir-se de talismãs materiais e imateriais, fechar o corpo, trancar os caminhos, barricar-se por trás de rituais astrológicos ou numerológicos. Aí começa Lúcia a se rebatizar como Lhúcia, Fábio a mudar o nome para Fhábio, Amélias a assinar o nome como Améllya. E o diabo é que dá certo, porque geralmente o segundo CD, que é tão ruim quanto o primeiro, vende a mesma quantidade. Eles respiram aliviados, e acreditam ter firmado um armistício com o Universo. Pois podem dormir em paz: aposto que o Universo até hoje nem percebeu que eles existem.

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