Existem três coisas em que o Brasil é reconhecido no mundo inteiro como um país “top de linha”, igual aos melhores do mundo: o Futebol, a Música Popular e as Telenovelas. Aí estão nossas conquistas de Copas do Mundo, os campeonatos mundiais de clubes, os craques que produzimos; e há uma espécie de consenso mundial de que o nosso jeito de jogar é o mais bonito do mundo. Os ingleses o chamam de “The Beautiful Game”. No caso da música popular, existe algo parecido. Como não há campeonatos de música, fica difícil enumerar vitórias, mas todos sabemos que existe (nos EUA, na Europa, no Oriente, na África) uma espécie de amor generalizado pela nossa música, em todas as suas variantes, desde as sutilezas da Bossa Nova até o impacto rítmico do samba e derivados.
Os gringos nos amam e nos reverenciam pelas belezas que criamos, e aceitamos essa admiração com um orgulho tranquilo, porque sabemos que somos mesmo os melhores no futebol e na música. É no terceiro aspecto, no entanto, que a relação fica problemática. Nossas novelas, principalmente as novelas da Globo, são sucesso lá fora. Ninguém (dizem) faz novelas tão boas quanto as brasileiras. Por que motivo não nos orgulhamos delas?
Anos atrás, o escritor Bruce Sterling esteve em Sumaré (SP) para uma convenção de ficção científica. Num bate papo informal, ele contava aos participantes que pouco tempo antes tinha ido à Rússia fazer uma matéria para a revista Wired, e certa madrugada, desorientado pelo fuso horário, se viu num hotel em São Petersburgo assistindo TV russa, e percebeu que os russos do hotel não falavam noutra coisa senão na novela brasileira que estava passando. Para certo constrangimento dos participantes, ele passou a elogiar a qualidade das novelas: a dramaturgia, as interpretações, a linguagem narrativa, o trabalho de câmara...
Temos preconceito contra as novelas porque elas se dirigem para um piso-mínimo mental do grande público; porque elas são sintoma da Rede Big Brother de telecomunicações que década a década vai envelopando a cultura brasileira; porque elas são narcisistas, auto-referenciais, arrogantes; porque suas mensagens morais são simplórias e sua dramaturgia não corre riscos jamais. Mas também porque elas são muito próximas de uma realidade que não queremos ver. Eu sempre achei as novelas da Globo artificialíssimas, posudas, irreais. Depois que vim morar no Rio é que percebi que existem pessoas que são daquele jeito, pensam daquele jeito, falam, se vestem e agem daquele jeito.
Quem nasceu primeiro, o Ovo ou a Serpente? É a realidade que acaba se esgueirando, inexorável, para dentro da ficção, ou é a ficção que acaba formatando, mais inexorável ainda, a vida real de quem todo dia escancara seu cérebro para recebê-la? Criamos uma Hollywood para consumo interno, e talvez daqui a 50 anos ela venha a embeber a mente do mundo. O que nos repele em nossas novelas não são os seus defeitos, e sim o Poder Cego que encarnam.
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