(xilogravura: Marcelo Soares)
Suponhamos que você é convidado a dar uma entrevista na TV. Após a costumeira introdução, o apresentador se vira e pede: “Conte para a gente como foi sua infância, seus estudos, seu início na carreira profissional.”
É uma pergunta bem genérica, não tem perigo de faltar assunto. E é sobre um assunto que você conhece bem, que é você mesmo; talvez, aliás você seja o maior especialista mundial nesse assunto. O que você faz, para responder? Puxa do bolso um papelzinho onde, prevendo a pergunta, preparou a resposta? Duvido. Você pode responder muito bem, ou muito mal; mas não duvido de que achará normal ter que improvisar uma resposta.
Improvisamos verbalmente durante todo o tempo, e são bem poucas as ocasiões em que precisamos decorar um texto para depois repeti-lo em público. Somos repentistas, somos improvisadores.
O que nos distingue, então, dos cantadores repentistas? Duas coisas:
1) eles cantam, eles se acompanham de instrumentos; não apenas estão falando, mas proporcionando um espetáculo que envolve outros elementos;
2) eles improvisam em verso, usando modelos fixos, onde as sílabas tem que ser ou X ou Y, e onde as rimas têm que ser de tais ou tais maneiras.
Não se improvisa em verso “livremente”. Não se improvisa em prosa. Existem formas conhecidas por todos (sextilha, décima, quadrão, mourão, etc.), e qualquer erro é tão visível quanto um erro no futebol.
O repentista, seja ele um partideiro carioca, um cantador de viola, um embolador de coco, é uma espécie de malabarista ou acrobata. Ele é forçado não apenas criar na hora, mas tem que fazê-lo dentro de modelos já existentes, não pode ser como lhe der na telha.
É uma habilidade que exige ao mesmo tempo inspiração e habilidade, que obriga o poeta a ter riqueza de imaginação e domínio da técnica (percepção de estrutura, repertório rico de rimas, domínio métrico na hora de cantar, etc.).
O que ocorre é que, ao longo dos anos, os próprios repentistas vêem-se improvisando sobre temas recorrentes, que sempre retornam. Se eu fôr à TV e alguém me perguntar: “O que você acha da cultura popular nordestina?” vai ser muito difícil eu não ter o que dizer, porque já o disse centenas de vezes. E vai ser difícil também dizer algo original – pelo mesmo motivo.
Isso acontece também com os cantadores. “Seu Zé, cante uma coisinha sobre Frei Damião...” “Companheiro, fale das lutas sociais do homem nordestino.” “Amigo, cante alguma coisa de roedeira e saudade...”
As circunstâncias são numerosas, os pedidos são variadíssimos, mas há temas que sempre retornam, sempre retornam. E o que era improviso vai sendo lembrado, requentado e servido, não por preguiça ou mau-caratismo, mas porque é uma profissão, é algo que muitas vezes o poeta tem que fazer várias vezes por semana.
Algum texto pronto existe em sua memória, e mede-se o grau de auto-exigência do poeta pela sua disposição em repetir, sim, mas nunca exatamente da mesma forma.
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