Por que diabo a gente só escuta no rádio música falando de amor? Não é por nada não, mas parece que alguma ditadura baixou um decreto. É proibido falar de outra coisa. Quem fizer uma música sem falar de amor pode até escapar de ser preso, mas vai ser olhado com desprezo, zombaria ou comiseração. O sambista Nei Lopes chama isso de “globalização pop”, uniformização de produtos. Amor é um assunto que qualquer pessoa entende, não importa a nação, a raça, o sexo, a religião, a condição social. (Há populações para quem este nosso conceito de amor é ininteligível; mas concordo com o compositor quando ele reclama que isso acaba tornando a música “monotemática”.)
Se houvesse pelo menos uma espécie de disputa para ver quem diz coisas mais interessantes a respeito, talvez o resultado fosse até bom. O problema é que parte-se de outra generalização a-ferro-e-fogo: é preciso dizer coisas que todo mundo entenda, e, como o povo é burro, só entende o que já vem ouvindo a vida inteira. Daí, as letras viram uma reciclagem de clichês. Não é só no pop: é no samba, é no forró, é no rock-and-roll. E tome lugar comum. Para não dizerem que sou mal-humorado, eis as palavras de um dos nossos grandes cantores e compositores românticos, Caetano Veloso: “Por que será que fazem sempre tantas canções de amor, e todo mundo canta canções de amor? De minha parte, às vezes não aguento: 99 e um pouco mais por cento das músicas que existem são de amor” (“Canção de Protesto”, gravada por Zizi Possi)
E no entanto o curioso é ver o quanto esse tema tão universal é particularizado, tem em cada autor um perfil diferente. Quer ver, leiam e analisem os poemas de amor de João Cabral, ou os de Augusto dos Anjos. O amor de um não é o mesmo do outro. Mesmo poetisas que compartilham uma certa afinação de espíritos, como Cecília Meireles e Emily Dickinson, sentem, praticam e cantam o amor cada qual à sua maneira. Na música popular, existe uma diferença química e física entre uma canção de amor de Bob Dylan e uma de Vinicius de Morais. Mas para quem liga o rádio ou vê na televisão de hoje, a música popular está parecendo a URSS no regime stalinista. Você se hospedava no Hotel Stálin, pegava a Avenida Stálin, entrava na estação Stálin do metrô, ia até a Praça Stálin e, no Teatro Stálin, assistia uma encenação da “Vida de Stálin”.
Ao preparar sua Antologia Pessoal, Carlos Drummond a organizou em torno de 9 capítulos, ou temas: o indivíduo (“Um eu todo retorcido”), a terra natal (“Uma província: esta”), a família (“A família que me dei”), a amizade (“Cantar de amigos”), o trabalho poético (“Poesia contemplada”), brincadeiras verbais (“Uma, duas argolinhas”), o amor (“Amar amaro”), os problemas sociais (“Na praça dos convites”) e o sentido da existência humana (“Tentativa de exploração e interpretação do estar no mundo”). Se fosse um CD, já dava para fazer 9 faixas sem repetir. Dêem uma folga ao amor, que ele já tá dessa finurinha.
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