Passei a vida vendo filmes de terror e lendo histórias de terror; e um clichê que parece estar presente no mundo inteiro é o da Casa Mal-Assombrada. Este tema envolve duas premissas: 1) de que após a morte as almas das pessoas continuam existindo e manifestando-se no mundo material; 2) de que essa existência pós-morte é sempre de sofrimento, e as manifestações são sempre de violência, agressão, lamentação, etc. A justificativa científica é de que quando alguém morre em sofrimento, seja por violência física ou por infelicidade psicológica, sua alma fica presa àquele local, podendo ser ativada pela presença de outras pessoas.
Gostaria de informar aos caros leitores que isto é apenas parte da verdade. Existem também as Casas Bem-Assombradas, frequentadas pelos espíritos das pessoas que viveram em paz ali e que de vez em quando ali retornam, não para expiar uma culpa ou reconstituir um suplício, mas para fazer uma visita saudosa àquele lugar onde foram tão felizes. Meus pais já moraram numa casa (alugada) onde de vez em quando éramos visitados por uma velhinha simpática, que ficou muito amiga de minha mãe, e uma vez por mês aparecia nos fins de tarde para tomar um café e conversar no terraço. Ela nunca disse que já tinha morado ali, mas eu, com o olho sherlockiano das crianças, percebia que ela sempre arranjava um pretexto para ir à cozinha, ir ao banheiro, caminhar pelo quintal, dar uma espiada saudosa nos quartos. Ela enganou a todos, menos a mim.
Como são espíritos equilibrados, felizes, de-bem-com-a-morte, esses indivíduos fazem o que podem para não nos assustar. Poderiam materializar-se de repente na sala, ou no jardim; mas preferem dobrar a esquina, vir andando pela calçada, tocar a campainha... A felicidade que experimentaram ali é um ímã tão poderoso quanto o sofrimento dos fantasmas tradicionais. Grande parte dos lugares assombrados em nosso mundo são aqueles onde as pessoas passaram momentos felizes: cinemas, clubes, salões de dança, bares, estádios de futebol. Neste último caso, vi há algum tempo no jornal uma foto da torcida do Treze no Amigão, onde reconheci um guri de seus 13 anos que frequentava muito as cadeiras do Presidente Vargas quando eu era garoto, até a camisa era a mesma.
Observe bem, caro leitor, quando fôr ao cinema. No meio daquela platéia geralmente jovem, buliçosa, aqui e acolá veremos uns sujeitos discretos que chegam cedo, compram seu ingresso e vão direto para as poltronas da frente; às vezes são casais que vêm de mãos dadas, como quem mantém vivo um ritual antigo. Já me perguntei por que não vejo pessoas conhecidas entre eles, mas imagino que quando se materializam a sala de projeção é o que menos importa (pode ser em qualquer cidade, qualquer país): o que importa para eles é o filme em cartaz. Quando dizem “vou ao Cinema”, é a este cinema com C maiúsculo que vêm, àquele onde pagamos para ver os fantasmas de gente que não está mais aqui.
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