sábado, 8 de março de 2008
0114) Os ricos (2.8.2003)
(ilustração: desenho de William Faulkner)
Os ricos vivem num mundo onde todas as luzes estão sempre acesas, onde tudo é visível, tudo é possível a cada instante. O entusiasmo contagiante que os move é uma pressa não contaminada pela angústia, uma pressa que vem da alegria de querer fazer tudo. Suas mentes estão encharcadas de realidade, de concretude. Para míseros mortais como nós, que lemos jornal no ponto do ônibus e sonhamos com os night-clubs da Riviera Francesa, a Riviera Francesa situa-se no mesmo plano de realidade dos Jardins Suspensos da Babilônia ou do palácio de Aladim. Para os ricos, a Riviera Francesa é tão real quanto os sapatos que estão calçando.
Tudo, tudo para eles é possível. O mundo inteiro está à sua espera na outra extremidade da linha telefônica. A compra de uma fazenda na Califórnia, a contratação de uma orquestra sinfônica na Itália, a construção de um hotel na Arábia Saudita, a criação de um Festival de Cinema na Polônia, tudo pode ser resolvido com algumas ligações para as pessoas certas, sem que os convidados (que estão se distraindo no jardim) sintam sequer a ausência momentânea do anfitrião.
São generosos. Não têm amor ao dinheiro. Amor ao dinheiro temos nós, que nos inundamos de felicidade quando tiramos nosso extrato do Banco e vemos que foi feito o depósito tão ansiosamente esperado; só faltamos beijar o papelucho. Os ricos vivem num mundo além-dinheiro. Para eles, tudo se resolve com gestos, com atos. Seu filho está querendo estudar em Yale? Ora, porque não me disse antes? E se perguntarmos quanto isto vai custar, ele nos diz, não pense no que vai custar, pense no futuro do menino, isto é um presente meu, e (aí surge a terrível frase) eu não aceito um não como resposta.
Claro – existem ricos avarentos, ricos mesquinhos. Mas estes são os ricos incompletos, os que por defeito genético de fabricação não atingiram a plenitude planejada. O verdadeiro rico gasta como quem semeia. Nas conchas dos seus ouvidos ele nunca deixa de escutar o marulho eterno do oceano do Capital, e sabe que até o dinheiro jogado pela janela tende a germinar, a brotar, a florescer, a enramar-se como hera ou trepadeira para subir até a janela-mãe de onde veio. Dinheiro gera dinheiro, e os ricos são os semeadores dessa soja dourada que se estende pelos séculos, a perder de vista.
Existe só um momento em que uma leve sombra empana seu sol eterno. É quando mencionamos na sua presença a possibilidade – a mera hipótese; não uma ameaça, um desejo ou uma profecia – de que um dia serão menos ricos, de que um dia perderão alguns dos seus super-poderes. Então, suas pupilas se contraem como as de um ofídio, e vemos que temos diante de nós uma criatura milenar, mais antiga que a Revolução Francesa, que a Roma dos Césares, que os Faraós. Uma criatura que sobrevive há milênios, que não admite sair de cena, e é capaz de cravar os dentes em nossa jugular para continuar sendo exatamente como é. E aí vemos que no fundo os ricos são iguaizinhos a nós.
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