sábado, 8 de março de 2008

0118) O x do problema (7.8.2003)



Meu encontro com a Álgebra se deu por volta dos nove ou dez anos, quando eu estudava no Alfredo Dantas. 

Ela veio a mim pelas mãos e pela voz de Prof. Rubens Lima do Monte, que ainda enxergo como se fosse hoje. Era magro, andava sempre de terno branco e gravata, tinha uma cabeça triangular, com a testa larga, o cabelo escuro e liso penteado impecavelmente para trás, óculos, um bigodinho fino. 

Suas aulas eram temidas, porque ele levava a Matemática tão a sério quanto Pitágoras; nunca o vi sorrir. Em compensação, eram assistidas com total atenção, porque ele era um excelente explicador, e usava uma varinha para apontar o quadro-negro, o que lhe dava um ar de cientista nuclear de filme americano.

Naquele dia ele fêz a chamada, mandou um bode expiatório qualquer apagar o quadro, mas não iniciou a aula, como de costume, escrevendo algo e perguntando a nós o que era aquilo. Com o quadro pronto, ele começou a falar do homem pré-histórico, das culturas primitivas, e de como tinha surgido a idéia de número. 

Falou durante cinco, dez, quinze minutos. E nada de escrever no quadro, mas aposto que ninguém sentiu falta, todo mundo ali, hipnotizado. E ele a falar dos números, das frações, das operações básicas... 

Com meia hora de aula, foi no quadro e escreveu: “x”. Com um simples toque da varinha, ele nos autorizou a representar com aquele “x” qualquer coisa que a gente quisesse.

Eu já tinha lido Malba Tahan àquela altura da vida, mas as proezas do “homem que calculava” se misturavam a gênios da garrafa, tapetes mágicos e outros portentos. Álgebra nos livros era uma coisa, mas era outra coisa naquela manhã ensolarada, tendo às nossas costas as altas vidraças que davam para a rua Marquês do Herval e que enchiam de luz a sala, fazendo aquela letrinha branca brilhar no centro do quadro-negro. 

Acho que isto facilitou meu contato com a poesia quando, mais tarde, vi Drummond falando da pedra no meio do caminho, que eu tentei em vão decifrar, até concluir por conta própria que aquilo devia ser uma grandeza algébrica.

Essa álgebra de substituições se expande para além das letras e dos números, e entra no reino das imagens e das representações verbais. 

Uma serpente pode ser o Demônio, um triângulo pode ser Deus, uma rosa pode ser a Vida Eterna, um coração pode ser “Eu te amo”, uma foice-e-martelo pode ser uma Revolução. Um relógio mole pode ser a percepção de um Tempo que é o tempo da Mente. 

Uma mulher pintada de frente e de perfil ao mesmo tempo pode ser uma tentativa de colocar dois tempos num só espaço. 

Um mictório público pode ser uma Fonte, e então esta Fonte pode ser uma obra de arte. 

Uma nota de dinheiro falso pode valer como dinheiro verdadeiro, se as duas partes da negociação assim combinarem. 

Uma obra de arte é como um cheque: depende de quem a assina e de quanto lastro dispõe. Pontinhos perfurados numa página, lidos com as pontas dos dedos, podem estar dizendo: “Isto aqui pode ser qualquer coisa.”






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