sábado, 8 de março de 2008
0117) O trambiqueiro (6.8.2003)
Há muitos tipos de trambiqueiro. O menos interessante deles é o sujeito que dá trambiques porque quer ficar rico. Tem coisa mais sem graça do que querer ser rico? Existe, por outro lado, o sujeito para quem o trambique é uma forma de arte, uma filosofia de vida. Aquilo é o seu estilo de ser, é o seu modo de se relacionar com o mundo, de ser criativo, de ser aventureiro. Para um sujeito assim, resignar-se à honestidade seria tão catastrófico quanto internar-se numa clínica e pedir para sofrer uma lobotomia.
Li uma vez a história de um cara que vivia de quebrar empresas. Ele preparava uma bateria completa de documentos falsos (identidade, CPF, título, currículo escolar e profissional, tudo falso), ia morar em (digamos) Cuiabá, e ali fundava uma empresa de fertilizantes agrícolas. Pegava empréstimo em Banco, verba de tudo quanto era lugar, dava um cano generalizado no comércio, e sumia para sempre. Ia direto para, digamos, Florianópolis, já com nova bateria de documentos, novo nome, novo tudo. Morava um ou dois anos, fazendo amigos, fundava um escritório de advocacia, e começava tudo de novo. Passou uns 15 anos nisso, e quando foi preso, declarou: “Mas eu não sei fazer outra coisa!”
Esse é o trambiqueiro profissional, o que encara o trambique com a mesma “visão macro” com que Stanley Kubrick encarava o cinema. Um dos maiores deles foi Victor Lustig, o espertalhão que por duas vezes, fingindo-se de funcionário do governo francês, vendeu a Torre Eiffel a empresários europeus que negociavam com ferro-velho. Mizner comentou certa vez que não conseguia resistir quando via um sujeito que era ao mesmo tempo desonesto e ingênuo. E a verdade é que, no mundo dos grandes trambiques internacionais, é muito raro existir uma vítima honesta. É tudo tubarãozão engolindo tubarãozinho. Mesmo num “conto do pacote” passado na esquina do Banco, o espertalhão convence a vítima deixando-a entrever, assim como quem não quer nada, a possibilidade de ganhar sem fazer força um dinheiro que não é seu.
Conheci um cara que estava passeando de moto em Ipanema, e encontrou um conhecido. Ofereceu a moto para vender. O outro pediu para dar uma volta. Ele entregou a moto. O outro pegou a moto, passou em casa, pegou umas roupas, foi de moto para Porto Seguro e só voltou seis meses depois. Foi um plano maquiavélico? Não: foi um repente, um improviso. O verdadeiro artista tem que estar sempre pronto; ele não sabe quando o Destino vai submetê-lo a uma prova de fogo, mas sabe que precisa reagir à altura.
O trambiqueiro assim, artístico, desinteressado, filho do vento e da aventura, merece nossa admiração, mesmo que não mereça o nosso aval. O que é chato é o espertalhão miúdo, o que rasura contratos, desvia depósitos, superfatura serviços rotineiros, camufla prestações de contas... Esse, o que neuroticamente se auto-proclama “esperto”, é um mero cumpridor de Karma, deve ter sido o maior Otário na encarnação anterior.
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