sábado, 8 de março de 2008
0106) O inglês de João do Pife (24.7.2003)
Vou pegar carona com Lula Queiroga, na sua coluna “Baque Solto” de sexta-feira passada no Diário de Pernambuco. Mestre Lula comenta o espetáculo realizado em Nova York em que artistas pernambucanos, como Dona Selma do Coco, se apresentaram no Lincoln Center, em Nova York. E narra uns episódios pitorescos, como o de Heleno dos 8 Baixos, que em 1991 teve um disco indicado ao Prêmio Grammy.
O repórter Francisco José, da Globo, estava em frente à TV com Heleno aguardando o resultado. Demorou, demorou... Heleno acabou cochilando, e nisto foi anunciado o prêmio, que acabou saindo para um grupo africano. Ao ser despertado, Heleno perguntou logo: “Ganhamos?” Ao saber que não, deu de ombros e arrematou: “Então fica pra próxima.”
Nesta reação existe toda uma enciclopédia-britânica de filosofia popular. Uma prova de que quanto mais terceiro-mundo um sujeito, mais ele precisa de reservas inesgotáveis de tranquilidade, bom humor, e aquela auto-confiança de Didi na decisão da Copa de 58, quando a Suécia abriu o placar, e ele foi lá na rede, pegou a bola e trouxe pro meio de campo, dizendo: “Calma, o jogo começou agora. Vamos encher esses gringos de bola.”
Tá certo Heleno dos 8 Baixos. Afinal, ele já foi indicado para um Grammy, e o século 21 começou agora. Quem disse que não vai ter “a próxima”?
Melhor ainda é a resposta de João do Pife, que também está se apresentando no coração de Manhattan. Perguntaram-lhe sobre a dificuldade de comunicação, afinal de contas é um matuto indo pela primeira vez à mais famosa metrópole do mundo. E João respondeu, na maior tranquilidade: "Aqui em Nova York é fácil. Hotel é hotel, táxi é táxi, pizza é pizza, sanduíche é sanduíche, uísque é uísque, tchau é tchau. A gente fala, e eles entendem na hora".
João do Pife é ainda mais centrado e mais otimista do que Heleno. Ele deve ter se maravilhado ao descobrir que o Bicho não tinha tantas cabeças quanto ele ouvia falar, e que existe, sim, uma possibilidade de comunicação entre pessoas que vivem no mesmo mundo.
Eu, com toda minha literatura, morro de inveja dos músicos e dos desenhistas, cujas obras podem ser apreciadas instantaneamente por um grego, um russo, um japonês, um mexicano, um suíço.
É claro que numa situação mais braba João ia sentir falta de um pouco mais de vocabulário, mas isso não é um privilégio-às-avessas dos artistas humildes do povo. Muita gente de anel no dedo se apavora quando se perde num metrô em terra estranha.
Dizem que quando a Princesa Diana veio ao Brasil durante o governo Collor, a primeira-dama brasileira tomou um curso intensivo de inglês para quebrar o galho durante a recepção. A Princesa, com seu sorriso de sempre, perguntou: “Do you speak English?...” A brava Rosane titubeou, depois ergueu os dedos polegar e indicador, afastados meio centímetro, e respondeu: “Short...” Por que não convidaram João do Pife, minha gente?
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