sábado, 8 de março de 2008

0103) O plágio mal-intencionado (20.7.2003)




Recentemente o canadense Yann Martel publicou um livro inspirado numa idéia de um romance de Moacyr Scliar. Scliar escrevera sobre um rapaz num barco à deriva no oceano, acompanhado por uma pantera; Martel, sobre um rapaz num barco à deriva, acompanhado por um tigre de Bengala. Martel afirma ter lido uma resenha do livro do brasileiro e achado que aquela era uma ótima idéia. Scliar teve de início o impulso de processá-lo, mas acabou desistindo. Os dois livros são totalmente diferentes. Só a idéia inicial é parecida. Não é plágio; na pior das hipóteses é falta de imaginação.

Plágio não é a imitação, nem a simples cópia, nem a paródia, nem o pastiche, nem a citação, nem o aproveitamento de uma idéia alheia. Tudo isto faz parte do trabalho artístico e intelectual, e para mim nada disso caracteriza o plágio. Todas as atividades acima são atividades criativas, em maior ou menor grau. O que as distingue do plágio é o fato de que quem as pratica está se servindo de uma obra alheia para criar uma obra própria; e quem pratica o plágio está tentando fazer passar como sua uma obra que é de outra pessoa, e para a qual não contribuiu nada, ou muito pouco. Não acho que seja o caso entre Martel e Scliar.

O plagiador típico tenta fazer tudo às escondidas, esperando nunca ser descoberto, porque sabe que está fazendo algo errado. O plágio é a atitude espertalhona, mal intencionada, de se apossar de uma obra feita por outra pessoa – porque é uma obra bem feita, é uma ótima idéia, e (todo criminoso pensa isso, é impressionante como são burros) ninguém vai perceber. Acontece no jornalismo, na literatura, nas teses acadêmicas, nas pesquisas científicas, na historiografia.

O caso mais comum de plágio é o de um sujeito famoso que se apropria da obra de um sujeito obscuro. O plagiador obscuro está a um passo de ser descoberto, porque foi se apropriar logo do trabalho de alguém mais conhecido do que ele. Se eu amanhã quiser bancar o esperto e furtar uma idéia de Jorge Amado todo mundo vai rir na minha cara, porque eu fui furtar logo de um sujeito que é conhecido de Norte a Sul. Plágio assim tem perna curta, não chega na esquina.

O que ocorre às vezes é um artista jovem e anônimo enviar uma obra sua para um artista famoso e tarimbado. Nenhuma resposta. Anos depois, o figurão publica um livro (ou monta uma ópera, ou dirige a peça, etc.), e... bingo! Lá está o trabalho escrito pelo anonimozinho, que, coitado, agora vai ter que mover céus e terras para provar que aquele troço foi feito por ele e não por um sujeito mais conhecido, mais inteligente, mais premiado, mais rico e mais rodeado de advogados do que ele. Por isso que muitos escritores já me aconselharam: “Nunca aceite ler originais inéditos de ninguém. No dia em que você escrever algo que vagamente se assemelhe a um manuscrito que lhe mandaram e que você nem sequer folheou, o cara vai sair dizendo que você furtou a idéia dele.”

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