quinta-feira, 21 de maio de 2009

1039) O mistério da arte (15.7.2006)




O saite Metaphilm” (http://metaphilm.com/index.php) é uma mistura de portal e blog onde sempre estão aparecendo boas discussões teóricas sobre cinema. Recentemente, colhi por lá algumas reflexões que vêm ao encontro de uma antiga tese minha, que pode ser resumida assim: “Não espere de uma obra (um filme, um livro, um quadro) uma solução completa, uma sensação de que não há mais perguntas a serem respondidas”. 

Uma obra de arte deve nos dar algumas respostas, mas deve continuar sempre a dar uma impressão de incompletude, de que ficou faltando alguma coisa, de que ainda não sabemos a história toda, de que há um processo ali que não se estabilizou, não se concluiu. Quando acaba o mistério da obra, acaba o interesse pela obra.

Isto pode não se aplicar a toda obra, mas se aplica a muitas. E acho que entra aqui a observação de Barbara Nicolosi citada no Metaphilm. Diz ela (criticando alguns filmes de Ron Howard): 

“Histórias devem nos acostumar à onipresença do mistério como parte irrecusável de nossa vida. Elas têm a função de nos fazer aceitar com tranquilidade o fato de que a maior parte das coisas do mundo é vasta demais para nossa compreensão, e que não há nada de mau nisto. Como disse C. S. Lewis, lemos para saber que não estamos sós. Lemos para saber que alguém se deparou com um mistério qualquer, e portanto estamos todos no mesmo barco, e não há motivos para pular do telhado”.

Aceitar o mistério não significa desistir de buscar respostas, mas compreender que o número de perguntas é infinito. O saite cita também o diretor de animação Hayao Miyazaki (autor do belíssimo A Viagem de Chihiro), ao comentar seu filme O Castelo Andante

“Pedi ao pessoal que faz meus efeitos de computação gráfica para que não fossem excessivamente precisos, ou realistas. Estamos contando uma história de mistério, então, sejamos misteriosos”. 

É preconceito meu, ou isto é exatamente o contrário da estética de Walt Disney, da Miramax, da Pixar e do Cartoon Network? O que vemos nestes desenhos (muitos deles excelentes sob outros aspectos) é ausência de mistério, de poesia, do inconsciente. Ali, cada movimento de uma barbatana foi discutido, racionalizado e aprovado por uma dúzia de roteiristas.

Por fim, o Metaphilm cita um artigo de Lee Siegel sobre Greta Garbo em “The New Republic”. Siegel diz: 

"Os americanos esperam que os filmes possam iluminar as suas salas escuras, como se estar a sós com a própria imaginação fosse uma empreitada de êxito duvidoso. Já os europeus gostam (ou chegaram a gostar em certa época) de filmes de cores sombrias, que permitam à sua imaginação brilhar no escuro”. 

Deixando de lado esta simplificação (americanos/europeus), esta me parece uma excelente distinção entre dois públicos. Os que querem lançar a luz implacável da racionalidade e das respostas sobre o mundo do mistério, e os que aceitam o mistério, mergulham nele e deixam que sua vista se acostume gradualmente à penumbra daquele universo.






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