Juvêncio é um quase-vizinho cujo sucesso profissional acompanhei de perto, visto que nos encontramos com freqüência na mesma padaria, na mesma agência bancária, no mesmo botequim.
Juvêncio exerce a nebulosa função de “produtor cultural”, sempre a braços com projetos que vão de musicais para o teatro até gravação de CDs evangélicos, de simpósios sobre psicanálise até festas de debutantes.
Solteiro, morava, quando o conheci, num quarto-e-sala modesto, mas agora mora numa das melhores coberturas das redondezas e acaba de comprar, “na planta”, afiançou-me, um apartamento na Barra com quatro suítes.
Juvêncio é um dos expoentes de uma cultura que, aqui no Rio, se auto-define com o lema “quem não deve, não tem”. Dias atrás compartilhamos no bar alguns chopes, acompanhados por cubinhos de provolone espetados em palitos, e Juvêncio saiu-se com esta pérola:
-- Adoro essas coisas pobres. O pessoal diz que eu sou esnobe, mas eu também sou sentimental, adoro me lembrar daquele tempo quando a gente se conheceu, quando a gente vinha aqui, como dois pés rapados.
Lembrei-lhe que eu continuava a “vir ali”, e continuava pé rapado, e ele rebateu:
-- Que é isso, BT. Você é poeta, é paraíba... Tem mais é que gostar dessas coisas mesmo.
O sistema que mantém Juvêncio à tona é simples. Ele ficou um tempo na pindaíba, sem poder pagar os seus numerosos cartões de crédito. No começo, pagava uns com os outros, numa prestidigitação financeira que nunca entendi, mas que ele me asseverou ser possível. Depois, chegou à conclusão de que era muito mais fácil acumular a dívida, fazer todo mês o famoso “Pagamento Mínimo” e deixar que o futuro se encarregasse do problema.
Como a dívida não parava de aumentar, em breve ele estava pagando de juros o mesmo que pagava de despesa total um ano antes. Começou a recorrer aos Bancos, e em breve fazia com eles o que fazia com os cartões: para pagar o empréstimo do banco A levantava uma grana no banco B, e daí a um tempo pagava o B pegando dinheiro em C...
A dívida que Juvêncio acumulou nos últimos anos é mais dinheiro do que eu ganhei em toda minha vida. Ele parece viver segundo a sábia frase atribuída a Getúlio Vargas: “Dívida velha não se paga. E dívida nova deixa-se envelhecer”.
Juvêncio vive numa bolha irreal de prosperidade, como aliás vive a maioria dos países do mundo, desde o Brasil até os EUA. Tudo na economia de hoje é pago com cheques pré-datados para 2050 ou coisa parecida. Os outros aceitam nossos cheques sem fundos, nós aceitamos os deles, e a economia avança aos trambolhões, alimentada por esse placebo financeiro em que todos fingem acreditar.
Me lembra os velhos tempos em que a gente bebia no Bar de Benedito, na Rua João Pessoa, todo mundo liso que só um muçu. Quando pedíamos a conta, ela ultrapassava em muito o que tínhamos nos bolsos, e, como não tínhamos com que pagar, o jeito era pedir mais um galeto-na-brasa e uma rodada de cervejas. Quem não deve não come.
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