segunda-feira, 31 de março de 2008

0332) Morte e vida em tela quente (13.4.2004)




(Spalding Gray)

Triste de quem é famoso; triste de quem um dia sonhou em viver em cima de um pedestal, sendo adorado e invejado pela plebe. 

É impressionante a maneira como certas pessoas querem subir socialmente (ou seja, distanciar-se da plebe) cortejando a plebe, pavoneando-se diante da plebe, transformando-se na encarnação das fantasias da plebe. Não vou citar exemplos (faltariam papel e tinta para tanto nas oficinas deste jornal), mas todos nós sabemos que muita gente é capaz de tudo “para aparecer”. 

Andy Warhol (ele próprio um subproduto típico dessa indústria do auto-espetáculo) dizia que no futuro todo mundo seria famoso por 15 minutos. Pois digo eu que no futuro todo mundo brigará pelo direito de ser humilhado publicamente durante 15 minutos.

É como os “estilitas” (atenção: não é “estilistas”), aqueles santos medievais que viviam encarapitados numa coluna, à vista de toda a população. Faziam-no por delírio masoquista, mas nós, modernos, o fazemos por delírio exibicionista. 

Os “reality shows” que enchem de câmaras a casa de uma família são o ápice desse processo. Ficam eles lá, se desincumbindo de suas tarefas e fazendo suas caras-e-bocas... e nós cá, olhando para aquele troço com a mesma expectativa de quem olha para um aquário. Quantas vezes passei uma hora inteira, no meio de uma tarde, acompanhando na MTV o cotidiano de Ozzy Osbourne! Por que? Provavelmente porque ver aquilo era mais interessante do que viver minha própria vida.

Quem se isola no alto do pedestal da mídia descobre, depois, que não é fácil descer. Corre o risco de ser estraçalhado por uma multidão sequiosa por relíquias. Enchemos o mundo de colecionadores de nós mesmos, e pagamos um preço. 

Uma das histórias mais melancólicas que já vi na imprensa foi de como Xuxa certa vez pediu à direção de um shopping que todas as lojas fossem abertas certo dia, de madrugada, para que ela pudesse “fazer compras no shopping”, como todo mundo. Claro que todas as lojas concordaram em fazer essa horinha-extra. No shopping-fantasma, deserto de gente de verdade, Xuxa e sua “entourage” passearam durante horas, comeram pipoca, fizeram compras...

Algumas semanas atrás, suicidou-se nos EUA o escritor e ator Spalding Gray, autor de monólogos confessionais e cheios de ironia. Num artigo no “Village Voice”, David Sweet comentou, referindo-se às pessoas famosas, que vêem sua vida transformada num espetáculo permanente: 

“Se você está se afogando e é famoso, as pessoas ficarão vendo você se afogar. Ficaremos imaginando qual daquelas outras pessoas foi contratada para salvar sua vida na hora H, ou ficaremos imaginando se tudo aquilo foi ensaiado. E se você morrer, pensaremos: ´Puxa vida, eu estava lá, quando ele morreu.´ Só há uma coisa que não faremos: ajudar.” 

A vida-espetáculo é cruel. Porque quando o ídolo morre, os fiéis batem palmas e pedem, sem uma lágrima, sem um suspiro: “O próximo!”






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