O trocadilho é infame, mas inevitável. O leitor deve se lembrar do “Cubo de Rubik”, o cubo-mágico: um cubo articulado, com 9 quadradinhos coloridos em cada face, que a gente ia girando até colocar tudo na posição certa. Pois bem: a complexidade do Cubo de Rubik (bilhões de combinações possíveis) é café pequeno perto da complexidade do Cérebro de Kubrick. Eu ouvia falar que Kubrick era rico e excêntrico, mas só tive uma medida dessas duas coisas ao ler, em The New York Review of Science Fiction, longos depoimentos de dois dos meus escritores prediletos da FC britânica, Ian Watson e Brian Aldiss, que colaboraram no projeto A. I. – Inteligência Artificial. Muito informativo também é o livro de Frederick Raphael, Eyes Wide Open, sobre seu trabalho no roteiro de De Olhos Fechados. Um artigo recente de Jon Ronson no Guardian Unlimited revela outros detalhes curiosos sobre a cabeça de um dos diretores mais talentosos e maníacos que o cinema já teve. (Em: http://film.guardian.co.uk/features/featurepages/0,4120,1177734,00.html)
Ronson teve acesso às centenas de caixas que guardam o arquivo pessoal e profissional de Kubrick, desde manuscritos e roteiros até uma réplica da cabeça da guerrilheira vietnamita de Nascido para Matar, e milhares de cartas de fãs, meticulosamente arquivadas de acordo com a cidade e o país de origem, para que, se necessário, Kubrick ligasse de volta e perguntasse ao atônito admirador se a tela do cinema local estava de acordo com as especificações para exibir Barry Lyndon ou O Iluminado.
Ao chegar na mansão de Saint Albans, Ronson foi conduzido a um enorme salão com as paredes cobertas de livros. “Aqui é a biblioteca?”, perguntou. Ao olhar mais de perto, descobriu que todos os livros eram sobre Napoleão. Era uma pequena parte da pesquisa para o filme que o cineasta nunca chegou a realizar, um projeto abortado pelo fracasso do Waterloo de Sergei Bondartchuk em 1970. Em outra parte da casa havia um arquivo com 25.000 fichas detalhando tudo que aconteceu com o Imperador e sua família ao longo de todos os dias de sua vida.
Kubrick tinha uma paixão obsessiva por papel, cadernos, tinta; tudo que usava era fabricado de acordo com suas especificações. (Sua fonte tipográfica preferida era Futura Extra Bold.) Ronson menciona centenas de caixas, cada uma com centenas de fotos para que SK escolhesse um modelo de portal para a casa da prostituta em De Olhos Fechados. Kubrick tinha, como tantos que têm excesso de poder, a mania de querer usar esse poder em toda sua extensão. Quando seu gravador cassete quebrava (é Ian Watson que conta), ele mandava o secretário ligar para Akio Morita, o presidente da Sony. Seu perfeccionismo técnico o fêz inventar numerosas engenhocas que hoje são de uso corrente. Era um diretor cerebral, egocêntrico, meticuloso. Seus filmes são mananciais inesgotáveis de revelações sobre o cinema e a mente humana.
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