Vi poucas fotos dela. Era branca, aristocrática, delicada, mas com um tanto de aço inoxidável em sua composição, o qual lhe permitia esgrimir verbalmente noites inteiras, nas mesas do Restaurante Algonquin, de Nova York, cercada por homens tão lidos e tão vividos quanto ela.
Foi jornalista, foi contista, mas ficou famosa nas décadas de 1920-30 pelos seus poemas curtos e implacáveis. O texto de orelha da edição da “Modern Library” diz que eles são “aguçados como pontas de flechas, e mergulhados no ácido borbulhante de seu humor.”
Poucas mulheres (e poucos homens, aliás) terão tido uma vocação tão grande para a metáfora surpreendente, para a comparação “na mosca”, para o soco demolidor com luvas de pelica, para as coisas ternas ditas com crueldade e vice-versa.
Foi uma dessas mulheres que não têm medo de homem nenhum, e, como todas elas, pagou um preço maior que suas posses. Casamentos, divórcios, abortos, tentativas de suicídio, depressões, tudo está esmiuçado em suas biografias e homepages (um bom ponto de partida pode ser em: http://www.english.uiuc.edu/maps/poets/m_r/parker/parker.htm.
Em seus poemas, ficou a auto-imagem de uma mulher ao mesmo tempo cínica e carente, cuja vida amorosa foi uma sucessão de saltos no escuro e de ossos partidos; de convalescenças e de recaídas.
Sua linguagem poética é minimalista, dando preferência às estrofes com esquema silábico britânico (8-6-8-6), ocasionais sonetos no modelo italiano, pequenos epigramas em quadras ou dísticos. O mais famoso deles é:
Men seldom make passes
at girls who wear glasses.
Para o qual só cabe uma tradução infame: “Os homens não roubam ósculos / de garotas que usam óculos”.
Sua poesia é difícil de traduzir, mesmo tendo uma linguagem simples, de imagens fortes e diretas. Grande parte do seu charme reside em ser impecavelmente rimada e metrificada, a um ponto quase impossível de preservar nos versinhos curtos e compactos que eram sua forma predileta. Seu talento para a rima rica e original é também famoso.
Seu poema mais conhecido talvez seja “Résumé”, sobre o suicídio:
Navalha dói.
Rios são úmidos.
Ácido mancha.
Drogas dão cãibras.
Revólveres são ilegais.
Forcas cedem.
O gás tem um cheiro horrível.
Melhor ficar viva.
Escreveu nas principais revistas de New York, foi roteirista em Hollywood (duas vezes indicada ao Oscar, em 1937 e 47). Voltou para New York mas, ao envelhecer, afastou-se dos círculos intelectuais onde um dia chegou a ser considerada “a mulher mais espirituosa dos EUA”. E a mais amarga, também: morreu aos 73 anos, sozinha num quarto de hotel.
Sua morte pegou de surpresa muitas pessoas que a imaginavam morta há muito tempo. Suas cinzas ficaram vinte anos num escritório jurídico, sem que ninguém as reclamasse. Li seus poemas pela primeira vez aos vinte e poucos anos, e sempre lamentei não ter tido o dúbio privilégio de ser um dos que lhe partiram o coração.
Um comentário:
Adorei seu texto. Alguns nova yorkinos dizem que a escritora Fran Leibowitz é a Dorothy Parker de calças.
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