Ontem falei sobre “O dilema da Tosca”, um problema de lógica usado por Anatol Rapoport, inspirado na ópera de Puccini.
Nela, a heroína da ópera negocia com o chefe de polícia, Scarpia, a libertação do seu amado, Cavaradossi. O policial diz que só o libertará se Tosca se entregar a ele. Firmam o acordo, mas nenhum dos dois pode ter certeza de que o outro cumprirá a palavra. Neste caso, o que será melhor: manter a palavra dada, ou negar-se a cumprir sua parte e esperar que o outro cumpra a sua?
Uma situação parecida aparece com frequência nos casos de sequestro. O sequestrador avisa: “Deixe 1 milhão de reais em tal canto, que eu solto o garoto.” Se ambos cumprirem o combinado, o resultado final será parcialmente satisfatório para todo mundo: o sequestrado volta para casa (mesmo pagando caro por isto), e os bandidos fogem com o dinheiro (mesmo devolvendo seu elemento de barganha).
Mas como a família pode ter certeza de que os bandidos não vão pegar a grana e matar o sequestrado, para evitar um futuro reconhecimento? E o sequestrador também fica com a pulga atrás da orelha. Como pode ter certeza de que a família não vai depositar no local combinado um saco de dinheiro falso, ou dinheiro “marcado” pela polícia?
Sempre pode se dar o caso de um dos dois lados ceder à tentação de obter uma “vitória completa”. Vitórias completas desta natureza só ocorrem quando traímos e não somos traídos.
A tentação de trair o oponente, diz Rapoport, é grande porque “quando ambos se traem mutuamente, os dois perdem, mas não tanto quanto perderiam se ele ou ela tivesse feito o papel de tolo”, ou seja, tivesse cumprido a palavra enquanto o adversário lhe passava a perna.
Situações deste tipo são frequentes na política, e nos últimos anos o exemplo que me vem à mente é o do sofrido processo de desarmamento do IRA, o Exército Republicano Irlandês. Nem o IRA confia totalmente que o governo da Grã-Bretanha vá cumprir as promessas feitas, nem o governo acredita totalmente que o IRA vá de fato entregar todo o armamento de que dispõe, e que não é pequeno.
Em ambos os casos, a tentação de trapacear é grande.
Em outros casos mais graves, o que existe não é sequer a tentação de trapacear: é uma intenção deliberada de extrair o máximo de vantagens, de esmagar politicamente o adversário. É o caso do conflito entre Israel e palestinos. Para mim, que vejo tudo à distância, parece impossível que se chegue a uma solução diplomática entre dois grupos liderados por indivíduos (Ariel Sharon e Arafat) com uma longa história de militarismo, terrorismo e declarações de ódio.
Enquanto as lideranças forem indivíduos com este tipo de passado e este tipo de retórica, nenhum acordo será mantido, nenhuma proposta de paz terá continuidade. E enquanto o impasse se arrasta, aumenta o número dos que perderam amigos e parentes e começam a achar que a vingança é melhor do que a convivência pacífica.
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