terça-feira, 31 de março de 2009

0936) A impotência da fala (17.3.2006)




(Augusto & Bilac)

Reza a lenda que Olavo Bilac, então nos píncaros da glória, esnobou Augusto dos Anjos, a quem sequer conhecia, quando circulou a notícia da morte do poeta paraibano. Ouvindo alguém lamentar o falecimento do autor do Eu, Bilac perguntou quem era ele. O interlocutor recitou-lhe um soneto de Augusto, e Bilac, dando de ombros, jogou sua pá-de-cal: “Se o que escrevia era isso, não se perdeu grande coisa”.

Parece difícil conceber dois poetas mais diferentes, mas ninguém é tão diferente que não-pegue-nem-uma-letra. Augusto era da geração pós-Bilac, e ávido leitor de poesia. Pelo menos um tema (e um tema íntimo, delicado) era comum aos dois: o tema da impotência da fala, da incapacidade de exprimir os pensamentos e sentimentos mais intensos. 

Um dos poemas mais famosos do Rei dos Parnasianos é o soneto “Inania Verba”: 

Ah! Quem há de exprimir, alma impotente e escrava 
o que a boca não diz, o que a mão não escreve? (...) 
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava; 
a Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve... 

O jogo de polaridades e antíteses, um dos fortes de Bilac, poucas vezes foi tão belo quanto aqui. 

E ele próprio talvez lesse com perplexidade mas com respeito versos como os de Augusto em “A Idéia”, a qual vem, 

...tísica, tênue, mínima, raquítica; 
quebra a força centrípeta que a amarra 
mas de repente, e quase morta, esbarra 
no mulambo da língua paralítica!

Bilac era um czar da expressão, um mestre consumado da arte de dizer. Imagino uma cena em que ele e Augusto pudessem ter se encontrado, não sei se num café elegante (mas Augusto não os freqüentava), ou talvez no terraço da casa de um amigo comum. 

Num momento de descontração e cordialidade, talvez se pusessem a recitar. Bilac diria os versos de “Remorso”: 

Choro, neste começo de velhice, 
mártir da hipocrisia e da virtude, 
por timidez o que sofrer não pude 
e por pudor os versos que não disse!

Em Bilac, o travamento é moral e afetivo, é um travamento das emoções – o que condiz com o que se conta do poeta, ou que era um homossexual não-assumido, ou que amou sem esperanças, a vida inteira, a irmã de um amigo: 

E as palavras de fé que nunca foram ditas? 
E as confissões de amor que morrem na garganta?

Já o bloqueio de Augusto dos Anjos é um bloqueio conceitual, um bloqueio do intelecto, uma incapacidade de verbalizar visões que vão além das possibilidades da linguagem. O “Martírio do Artista” a lidar com a “arte ingrata”: 

Para falar, puxa e repuxa a língua 
e não lhe vem à boca uma palavra! 

Para Augusto, a complexidade do mundo material está além da capacidade de expressão da linguagem individual e coletiva. 

E este destino não é só do Homem. O próprio Universo material fracassa em sua auto-realização: é a “Natureza que parou chorando / no rudimentarismo do Desejo!” (“O Lamento das Coisas”), é a “sonoridade potencial dos seres / estrangulada dentro da matéria!” (“Monólogo de uma Sombra”).





2 comentários:

Val disse...

Bráulio, parte deste texto foi publicado no blog De acordo com o devido CRÉDITO.
Boa semana!

Braulio Tavares disse...

Valeu, Val. Os poetas agradecem.