(O "cuidado, leitor" em The Roman Hat Mystery, 1930, virou depois "Desafio ao leitor")
Alguns amigos estavam conversando sobre o filme Os
Suspeitos, de Bryan Singer, aquele sobre uma quadrilha de delinquentes
envolvidos com as maquinações de um gênio-do-mal, Keyser Soze, uma espécie de
Fu Manchu ou de Vlad Dracula. Não vou
largar spoilers sobre o filme. Para
quem não o viu, basta dizer que é um filme que conta uma história longa e
complexa, cheia de peripécias, tendo como pontos-de-vista cinco bandidos
envolvidos num golpe, e o que acontece a cada um deles. Nos últimos minutos há uma reviravolta
espantosa na narrativa, quando o mistério final se revela.
A narrativa policial de mistério gira em torno disso: o
mistério, a coisa estranha e inexplicável, que cabe à história solucionar. A história de mistério não precisa ser
policial: pode ser mistério com FC, mistério com horror. Basta que haja um mistério, que o leitor ou
espectador seja provocado a propor uma explicação. O jogo dedutivo entre Sherlocks e Moriartys é o mesmo jogo do
leitor, querendo adivinhar o pensamento e as intenções do autor. Coube a Ellery Queen disciplinar esse xadrez
de pistas e de suspeitas, quando criou nos anos 1930 o “Desafio ao Leitor” que
interrompia seus romances. “Vocês já têm nas mãos todas as pistas que Ellery
Queen usou para descobrir o criminoso”.
O termo clássico para isso é “fair play”. Se é um jogo entre intelectos habilidosos e
atentos, é preciso jogar limpo com o leitor. Existem indícios? Então, que o
leitor tenha acesso a eles, e só precisa interpretar corretamente cada
fragmento de informação. O interessante
é a diferença de conceito de “fair play” no romance literário dos anos 1930 ou
no taquicardíaco cinema de 2015. No
livro, a gente pode se deter, voltar algumas páginas, consultar um diálogo,
checar uma data, ou seja: as pistas continuam ali onde o romancista as colocou,
e o leitor volta lá quantas vezes quiser. É possível uma leitura não-linear.
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