Quando eu tinha por volta de 10 ou 11 anos passava boa parte do meu dia ouvindo a Rádio Borborema, que na época era a rádio mais importante de Campina Grande, e onde meu pai tinha trabalhado por uns tempos como redator.
Os programas geralmente tinham uma hora de duração, e durante
aquela hora o locutor/disc-jockey (eu ainda não conhecia este termo) escolhia
as músicas, tocava, às vezes fazia comentários.
Havia um programa chamado “Ele, Ela e a Canção”. Era um
cantor e uma cantora cujas faixas se sucediam alternadamente. Num dia eram
Cauby Peixoto e Leny Eversong... no outro eram Ataulfo Alves e Nora Ney... E
por aí, ia. E eu me lembro que um dia eu falei para minha mãe: “Se alguém me
mandasse fazer esse programa por um dia, eu fazia com Nelson Gonçalves e Elza
Soares”.
Conto esse episódio bobo porque é a recordação mais
antiga que tenho de Elza, e por ela deduzo que eu já era fã, e era mesmo, porque
fiquei comportadamente sentado ao pé do rádio quando ela veio a Campina Grande
e fez um programa inteiro cantando no auditório da mesma Radio Borborema, com
transmissão ao vivo.
“Beija-me”:
https://www.youtube.com/watch?v=k4deIBUviT8
Lembro que nesse tempo já ouvia falar nela como a maior
sambista brasileira, não como um “novo talento que desponta”. E os improvisos
em voz rouca, estrídula, suingada, chamavam a atenção. Era coisa para a gente
parar o que estava fazendo e ficar à escuta. Era diferente.
“Se acaso você chegasse”:
https://www.youtube.com/watch?v=xp72C7IIuLA&list=OLAK5uy_kuEV1LHg15pJgSQKg9_O0_Ak8thZ4RoJs
A rasgada rouca da voz de Elza era algo que ia além da
música, era como se fosse uma ilustração na página impressa de um livro, algo
que ia além do texto, trazia uma dimensão a mais, algo completamente diferente
mas que fazia parte.
Na época eu percebia esses “efeitos especiais” aqui e
acolá em diferentes artistas. Via algo parecido nos “cans-ganscans-gansculans”
dos Demônios da Garoa, cujas canções não eram apenas ilustradas por efeitos
vocais desse tipo, mas mostravam, apitos de trem ou de guarda, vozerio de
botequim, e em canções como “Cidade do Barulho” tinha todo tipo de efeito
sonoro. Tinha também Moreira da Silva, onde “O Último dos Moicanos” mostrava
não apenas disparos de revólver *”Cuidado Moreira!...”), como galinhas
cacarejando, índios ululando e tudo o mais.
Elza era também perita nos duetos de estúdio com outros
artistas, e para mim suas gravações com Miltinho, um dos maiores sambistas de
todos os tempos, são um documento da liberdade e da alegria de cantar, de
dividir, de atrasar, de correr pra pegar lá na frente, de cair na nota certa e
ainda dar um floreado a mais.
https://www.youtube.com/watch?v=k4deIBUviT8
https://www.youtube.com/watch?v=xp72C7IIuLA&list=OLAK5uy_kuEV1LHg15pJgSQKg9_O0_Ak8thZ4RoJs
Elza e Miltinho:
https://www.youtube.com/watch?v=9bTk4OsU_r4
O mundo gira, a Lusitana roda, o tempo vai passando e Elza desaparece do mapa, não por defeito dela, mas porque os anos 1970 foram (pelo menos na minha percepção) uma explosão da música brasileira em todos os gêneros, em todos os estilos. Mas foi, por essa mesma explosão, um período difícil para quem conheceu o sucesso na década anterior; basta lembrar os casos, tão próximos de nós, de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro.
https://www.youtube.com/watch?v=fsqoCBfucYo
Flor do Lácio, sambódromo,lusamérica, latim em pó...O que quer, o que pode essa língua?
https://www.youtube.com/watch?v=6SWIwW9mg8s&list=OLAK5uy_ljuTdv2L0hDvvE28v5LPbwI80H9LlbiH0&index=2
Por volta de 2002, Ivaldo Bertazzo me
chamou para escrever o texto de um espetáculo de dança, Folias
Guanabaras, a ser encenado pelo Corpo de Dança da Maré (66 garotos e
garotas que dançam pra caramba), com DJ Dolores na trilha sonora, e no
elenco Rosi Campos, Seu Jorge e a própria Elza. E eu dei um jeito para
que a narrativa incluísse uma das minhas músicas preferidas de quando eu tinha 11
anos, “Eu e o Rio”, composição de Luís Antonio que ela tinha gravado naquele
tempo.
“Eu e o Rio”:
https://www.youtube.com/watch?v=AG7NishmSxw
https://www.youtube.com/watch?v=AG7NishmSxw
Elza é Spartacus. Uma prova disso é o musical Elza de Duda Maia, com texto de Vinicius Calderoni, direção musical de Pedro Luís, produzido pela “Sarau” de Andrea Alves, onde Elza era interpretada por Verônica Bonfim, Khrystal, Julia Tizumba, Larissa Luz, Janamô, Késia Estácio e Laís Lacorte.
2 comentários:
Que bonito! viva Elza e a rádio Borborema!
Vai deixar saudades.
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