Roça vez por outra também na obra dos Beatles (somos da mesma
geração). Ele tem um livro chamado “Norwegian Wood” (título de uma canção de
Lennon no LP Rubber Soul, 1965), e
tem contos intitulados “Honey Pie”, “Yesterday”, “Drive My Car”.
Este último resultou num filme (Drive My Car, 2021, Ryusuke Hamaguchi) que está sendo exibido no
Brasil, em salas e via streaming.
É um filme longo, com quase três horas de duração, embora
eu devesse dizer: “É um filme de duração mediana, no cinema atual.” Os filmes
tendem a ficar cada vez mais longos, e quanto começo a ver um deles é como se apertasse o cinto para uma viagem de avião.
Drive My Car,
apesar de ser um filme introspectivo, com muitos silêncios, e sem muita ação
física, não é um filme arrastado, e acaba parecendo mais curto do que é. O
diretor alterna cenas com vários personagens cortadas de forma não totalmente
consecutiva, produzindo com certa frequência pequenas necessidades de ajuste de
interpretação, que não deixam o espectador pegar no sono. E tem planos longos,
principalmente em trajetos de automóvel (um elemento essencial ao filme), que
nos dão a noção do peso desse “tempo morto”.
É a história de um ator e diretor teatral contratado para
dirigir, com dois meses de ensaio, uma adaptação do Tio Vânia de Tchecov, para um festival. O elenco tem várias
origens: alguns falam japonês, outros mandarim, outros coreano, e há uma atriz
que fala linguagem de sinais. Todos esses diálogos serão traduzidos para o
japonês, quando for o caso, num telão à vista do público.
A proposta, claramente, é de reforçar a idéia do teatro
como uma linguagem das emoções, comum a todos, até por se tratar de um texto
originalmente em russo.
Kafuku, o diretor da peça, vem de uma tragédia familiar recente,
e recebe esse convite como uma chance de ocupar a cabeça com outras questões,
mas não é fácil. Pode-se dizer que o filme é a história do lento
“descongelamento” desse personagem, que aparenta ser íntegro, ético,
compreensivo, mas fechado em si e capaz de uma certa rispidez no trato com
outras pessoas.
O fato do diretor usar
os longos trajetos de automóvel para ouvir as fitas com o diálogo produz o
inevitável (e proposital) contraponto entre os fatos e sentimentos de sua
própria vida e as falas da peça, que ele ouve recursivamente no som do carro. A
peça comenta a vida, e a vida comenta a peça.
O automóvel, o uso do automóvel, o modo de dirigir, é um
elemento importante no filme. O cigarro também. Nos filmes, as
pessoas acendem cigarros para terem algo que fazer com as mãos; por sua vez, os
diretores e os cinegrafistas gostam do modo como as baforadas de fumaça
produzem um efeito visual infinitamente renovado.
No filme de Hamaguchi, não se explora aquele plano
aproximado em que alguém acende o cigarro de alguém, que fecha os olhos enquanto
aspira a fumaça e solta uma baforada prazerosa. O equivalente na literatura é
sempre algo como :”Fulana acendeu o cigarro e aspirou profundamente o aroma
agradável do fumo, que lhe encheu os pulmões...”
Esse estilo meio porn
de descrever está geralmente ausente em Drive
My Car. As pessoas pedem para ir fumar lá fora. Vemos à distância como
acendem o cigarro, fumam sem dar atenção. Mas depois, já na reta final do
final, o ritual de fumar e mesmo de segurar o cigarro aceso ganha um contexto
ao mesmo tempo corriqueiro e simbólico.
2 comentários:
Munto bão, Braulio Tavares!
Clap! Clap! Clap!
Se tiver de escolher apenas 1 do Murakami, leia 1Q84.
Li todos dele e tem outros muitos bons mas esse é especial.
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