Ninguém dormiu direito naquela noite, era um aperreio de gente chorando pelos cantos, a casa toda acesa, gente indo e voltando, as pessoas cochichando e pisando na ponta dos pés. E nós três no quarto, cada um na sua caminha, tentando escutar tudo através da porta fechada. De vez em quando um da gente chorava, quando ouvia mamãe chorando. Papai ia e vinha, dando instruções, com aquela voz mais baixa e mais grossa, que não dava vontade de chegar muito perto dele. O cansaço era grande e eu pelo menos acabei cochilando.
De manhã ninguém foi para o colégio, mas nem isso adiantou,
eu preferiria ter um dia igual aos outros, o café com cuscuz e tapioca, a
farda, a bolsa, o ônibus, o empurra-empurra no pátio, as turmas formando sob os
berros do fiscal (“Menores na frente! Maiores atrás! Braço estendido, tocando
com a mão esquerda no ombro do companheiro à frente!”), e depois as turmas
sendo liberadas de uma em uma, marchando rumo à sala de aula que cheirava a
óleo de peroba.
Não foi nada disso, passou a hora da aula e a gente não teve
coragem de levantar da cama. Dava para sentir o cheiro do incenso aceso no
quarto ao lado. Minha tia girou a chave na fechadura, entrou e mandou a gente
se aprontar. Lavamos o rosto e sentamos na mesa da cozinha. Lá de fora vinha um
barulho de vozes de homens entrando em casa, carregando alguma coisa comprida e
pesada, meu pai bradando instruções.
Tomamos café com pão-com-manteiga e só, e minha tia nos levou de volta
para o quarto. Nenhum da gente teve coragem de perguntar nada.
Mais tarde ela voltou. Fez cada um de nós se vestir como em
dia de missa, penteou os cabelos da gente com um pente molhado na torneira,
ajudou a dar o laço no sapato, fiscalizou as orelhas e mandou esperar. Esperamos. Vieram e nos levaram para a sala,
que cheirava a flores.
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