terça-feira, 13 de maio de 2014

3497) Jair Rodrigues (13.5.2014)



O Brasil chorou a morte de Jair Rodrigues, aos 75 anos, com aquela ponta de remorso de toda platéia que empurrou um artista para a prateleira dos fundos e só lembra das suas qualidades quando percebe que o perdeu. Sou um desses, porque, embora não ficasse imune à simpatia pessoal e ao talento do cantor, não ouvia um disco inteiro dele há mais de trinta anos.  Fazer o quê?  O Brasil é assim. Ninguém pode ser novidade de novo a cada ano, embora alguns tentem heroicamente. O lado positivo é que, na música brasileira, quem foi muito famoso durante alguns anos conseguirá viver de shows eternamente, se souber cuidar da própria agenda. Quando viajo pelo interiorzão do Brasil, nunca deixo de ver faixas ou cartazes no clube local anunciando o show de alguém cujo nome não aparece na TV há décadas. O Brasil é grande, e uma fama residual, bem administrada, dura pelo resto da vida.

O primeiro grande momento de Jair foi a “Disparada” de Geraldo Vandré e Théo, que ele defendeu num festival com um vigor poucas vezes visto. Foi aquele caso feliz do intérprete ideal para uma música diferente. Campeã do festival junto com “A Banda” de Chico Buarque, ela mostrou naquele momento de intensa renovação que a música regional era uma fonte inesgotável de vigor, com uma potência épica que estava sendo redescoberta por músicos como Sérgio Ricardo, Edu Lobo e outros.

Outro grande momento de sua carreira foi seu programa de TV ao lado de Elis Regina. Mais uma vez, o caso feliz de dois intérpretes de gosto musical parecido e estilo parecido: exuberante, pra-fora, a plenos pulmões. Ver os dois juntos na TV, para minha geração, produzia uma irresistível vontade de correr para o violão mais próximo e tentar compor algumas músicas. Felizmente obedeci a este impulso.

O terceiro momento marcante de Jair foi a famosa “Deixe que digam, que pensem, que falem... Deixa isso pra lá, vem pra cá, quê que tem... Faz mal bater um papo assim gostoso com alguém?”.  Era o “samba da mãozinha”: Jair marcava o ritmo com um vaivém da mão espalmada que para alguns tinha um sentido obsceno mas que na verdade era apenas o suingue musical de quem canta (e rege a banda) com o corpo inteiro. Como Lenine me mostrou anos depois, foi o nosso primeiro “rap”, nossa primeira música canto-falada (OK, pode ter havido outras antes, mas foi a primeira para nossa geração). Era ainda samba mas já era alguma coisa além do samba.  Mais uma vez, um intérprete incontrolavelmente expressivo que projetava em diferentes ritmos e gêneros uma maneira pessoal de fazer as coisas. Jair teve nesses momentos a criatividade e os recursos técnicos para tornar seus esses diferentes tipos de canções alheias.


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