sábado, 23 de outubro de 2010

2381) A estética do Por Essa Eu Não Esperava (23.10.2010)



(www.killmydaynow.com)

O folhetim é o reino da surpresa. Um autor hábil sabe manipular os dois tipos: a surpresa para o leitor, e a surpresa para o personagem. Na primeira, o leitor está acompanhando a história, tranquilo, cheio de confiança, quando de repente algo acontece, um fato extraordinário, uma revelação inesperada, e é como se o chão se abrisse por baixo dos seus pés. O leitor fica boquiaberto. A revelação que foi feita altera tudo que ele vinha pensando sobre um aspecto qualquer da história. Muitos leitores são forçados a pousar o livro enquanto reorganizam os pensamentos. Quando é na novela da TV, muita gente espera o intervalo comercial para pegar o celular e ligar para uma amiga: “Você viu o que eu acabei de ver?!”.

As revistas de TV acabaram com esse carrossel de emoções. Hoje, grande parte das pessoas já sabe o que vai acontecer no capítulo daquela noite, e liga a televisão apenas para curtir os detalhes e saborear o já sabido. Isto está sabotando um dos prazeres principais do folhetim, o prazer de ser surpreendido. Mas por outro lado as redes estão cultivando um outro prazer, aquilo que poderíamos chamar a “prelibação”da surpresa. É o segundo tipo de surpresa: quando ela ocorre para o personagem, não para o público. O exemplo clássico disto é o da comédia. Se mostramos um personagem correndo na rua e de repente ele escorrega numa casca de banana e cai, temos uma explosão repentina de riso. Mas, ao invés dessa explosão repentina, temos um riso mais contínuo e mais cumulativo se mostramos o personagem correndo, a casca no chão, o personagem avançando, a casca mais próxima, até o escorregão e a queda. O fato de saber o que vai acontecer leva o espectador a rir por antecipação, sem que isto o impeça de rir de novo quando a queda de fato acontece.

Isto vem ao encontro da famosa teoria do suspense de Hitchcock. Ele dizia que o suspense nasce da onisciência do espectador: ele sabe algo que o personagem não sabe. Se dois homens conversam num restaurante e vimos alguém, antes da chegada deles, colocar embaixo da mesa uma bomba relógio, isto provoca o suspense: a bomba vai explodir? Os homens, sem saber de nada, conseguirão ir embora a tempo? Suspeitarão da bomba e tentarão desarmá-la? A onisciência do espectador o faz considerar várias soluções, ficar hesitando entre diversos desfechos possíveis para a cena. Ou seja, é uma cena com resultado emocional muito mais rico e prolongado do que a mera surpresa repentina.

O folhetim tanto pode nos dar a surpresa brusca quanto a surpresa solidamente construída diante de nós, visando o personagem. Somos capazes de acompanhar as maquinações tenebrosas do vilão, a vidinha sossegada e desprevenida da futura vítima, a atividade febril do herói que tenta evitar o pior... Sabemos de tudo, antevemos tudo. Mas quando o personagem se surpreende, quando cai sobre ele o terrível raio da fatalidade, a surpresa é também um pouco nossa.

2 comentários:

Nilo Cabral disse...

Não sou especialista em literatura, mas quando estudei cinema, lembro que a estratégia da antecipação deve muito à montagem alternada, usada por Griffith e por Eisenstein, os dois inspirados na literatura (aquele em Alexandre Dumas). Nenhum dos dois obteve sucesso de público quando a usaram, isto por duas razões, pela forma como a usaram e porque o público de então ainda não estava preparado para tal jogo narrativo. Confere? Ou digo bobagem? Por favor, se é bobagem, corrija. Abraço.
Nilo
Porto Alegre

Braulio Tavares disse...

Bobagem nada, está certissimo. A estratégia da antecipação (taí, gostei desse termo) não pertence ao cinema nem à literatura. Pertence à Arte da Narrativa, que tem suas leis próprias, e pode ser aplicada à literatura, ao teatro, aos quadrinhos, ao cinema e assim por diante. A Narrativa tem leis internas, que independem (em grande medida, não totalmente, claro) do meio usado para narrar.