domingo, 18 de julho de 2010

2278) A estética do “Que Mundo Pequeno!” (26.6.2010)



O folhetim e seus derivados (o seriado do cinema, a telenovela, os romances de pulp fiction) criou uma estética dramatúrgica em que os acontecimentos oscilam o tempo inteiro entre duas forças cósmicas opostas e complementares: o Acaso e o Destino. Se o universo é regido pelo Acaso, então tudo é possível, mesmo os fatos mais mirabolantes, as coincidências mais gritantes, as casualidades mais imprevistas. Se é regido pelo Destino, essas surpresas são igualmente possíveis, porque o conceito de Destino pressupõe a presença de uma Vontade orquestrando, com autoridade absoluta, os fatos do Universo. Se “estava escrito”, tinha de acontecer.

Vai daí que algumas figuras narrativas são típicas deste gênero, porque exprimem de maneira recorrente as situações de que ele se vale para manipular acontecimentos e personagens.


Falei dias atrás sobre a “estética do Logo Agora”; podemos também chamar a estética do folhetim de “a estética do Que Mundo Pequeno”, porque esta é uma exclamação recorrente (explícita, ou subentendida) dos personagens. Não existe folhetim se não existir, em cada virada de página, a sensação de que aqueles personagens podem se deparar a qualquer momento com a última pessoa no mundo que eles imaginariam encontrar ali, naquele local, naquele momento.

Esses encontros inesperados podem trazer o êxtase ou a catástrofe, não importa. Para o Autor, trazem os cruzamentos indispensáveis entre as linhas narrativas, cruzamentos de que ele precisa para gerar ou resolver conflitos, produzir revelações, quebrar o fluxo narrativo e empurrá-lo noutra direção, propor mistérios, esclarecer mistérios.

As grandes cidades modernas são, portanto, o ambiente ideal para o folhetim, que é consequência dos grandes jornais modernos. A Londres de Charles Dickens tinha dois milhões de habitantes; a Paris de Balzac tinha um milhão; a Moscou de Dostoiévski tinha 800 mil.

Estas grandezas demográficas proporcionam tanto os encontros quanto os desencontros. O labirinto das ruas e dos bairros das grandes cidades permite que pessoas passem uma vida inteira sem se cruzar, mas também que pessoas possam se esbarrar inesperadamente quando menos esperam. O folhetim exige essa possibilidade simultânea de distanciamento e de aproximação, exige a possibilidade do Segredo Bem Guardado e a possibilidade da Revelação Súbita.

O folhetim é de certa forma um gênero guiado pela Fatalidade Estatística, pelo jogo constante entre o banal e o extraordinário, um jogo em que basta que algo não seja impossível (como afirmou Sherlock Holmes) para que possa ser verdade, por mais improvável que seja.

“Que mundo pequeno!” exclamam, ao se reencontrarem, dois amigos de infância, um casal de ex-namorados, dois parentes distantes, uma dupla de ex-sócios, todos aqueles personagens que, virando uma esquina, entrando num restaurante ou visitando um bairro distante se deparam, por obra do Acaso e do Destino, com a pessoa que irá mudar sua vida.

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