domingo, 18 de julho de 2010
2285) Os cavalos e as zebras (4.7.2010)
A Navalha de Occam (“Occam’s Razor”) é uma figura do discurso filosófico que consiste mais ou menos no seguinte: em qualquer problema, deve-se começar a procurar a solução pelas mais simples, não pelas mais complicadas.
O termo “navalha” entra aí com sugestão de que sejam “raspados” todos os excessos, todos os elementos desnecessários à resposta.
Isto não quer dizer que uma explicação complicada não pode ser verdadeira, mas que, na imensa maioria dos casos, são as explicações mais simples que matam a charada.
Suponhamos que estou em casa, no Rio de Janeiro, às 3 da tarde, lendo no sofá. Tocam à campainha. Levanto-me, pensando: “Puxa vida, deve ser alguém que veio da Paraíba para me visitar!”. Minha suposição não é absurda, pois o que imaginei pode muito bem acontecer. Mas se ao aplicasse a Navalha de Occam eu pensaria: “Não será o porteiro trazendo uma correspondência registrada? Um vizinho querendo me perguntar alguma coisa? Ou algum amigo que mora aqui perto?”.
Estas hipóteses são tão plausíveis quanto a anterior, e têm a vantagem de serem explicações mais simples, de serem estatisticamente mais prováveis.
Daí a crítica que faço muitas vezes a jornalistas ou pessoas em geral, mal-informadas, que quando se referem a OVNIs sugerem que são visitantes “de outras Galáxias”. Quem diz isto não tem a menor ideia do que seja uma galáxia, ou da distância a que fica a galáxia mais próxima.
Seria o mesmo que, ouvindo a campainha do meu apartamento, eu imaginasse que era alguém do Japão tocando – e não alguém do meu prédio, ou da minha cidade.
(Se algum OVNI viesse da galáxia mais próxima da nossa, a Nebulosa de Andrômeda, levaria, viajando à velocidade da luz, cerca de 2 milhões e meio de anos para nos fazer essa visita. Melhor supor que seja alguém que more mais perto.)
Numa discussão recente sobre a Navalha de Occam na lista “A Word a Day”, o leitor Dean Barnard lembrou uma frase repetida frequentemente no curso de Medicina, para aconselhar aos estudantes que procurem respostas mais simples: “Se ouvir lá fora um barulho de cascos, pense que é um cavalo, não que é uma zebra”.
Ele perguntou se num país africano este conselho continuaria valendo. O leitor Max Bennun, da África do Sul, respondeu: “Aqui em nosso país os estudantes de Medicina ouvem dizer que se vemos um pássaro pousado num galho é mais provavelmente um pardal do que um canário. Daí que no nosso linguajar médico a ocorrência de condições extraordinárias acabou sendo chamada de ‘canário’”.
A Navalha de Occam não nega a possibilidade de que fatos extraordinários aconteçam, apenas recorre ao bom senso para lembrar que se um fato extraordinário pode, sim, acontecer, um fato ordinário pode mais ainda.
É uma questão de ir por partes, do mais possível para o menos possível, e só imaginar uma resposta complicada quando não houver nenhuma resposta simples que resolva o problema.
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