quinta-feira, 26 de novembro de 2009

1384) “Saneamento Básico – o Filme” (21.8.2007)




Semanas atrás vi num cinema um cartaz de um filme chamado Saneamento Básico, e comentei: “Quem será o idiota que bota um título idiota como este num filme?” Então vi que o filme era de Jorge Furtado, e disse: “Ah, preciso ver esse filme, deve ser ótimo”. Furtado talvez seja o único sujeito no Brasil que pode botar um título como esse num filme e escapar impune. Sempre acredito que ele é capaz de glosar com inteligência e leveza qualquer mote que lhe seja proposto, qualquer idéia, por mais absurda que pareça. Sua habilidade com roteiro, diálogos e atores estão presentes em filmes como O homem que copiava e Meu tio matou um cara, nos quais ele desenvolve um estilo peculiar de comédia de costumes da juventude gaúcha. (Ainda não vi o primeiro filme dele, Houve uma vez dois verões, de 2002).

Saneamento básico tem um subtexto ecológico (a necessidade de tratar esgotos urbanos) e de sátira à burocracia, porque na cidadezinha falta um esgoto e não há verba para ele; mas há verba para um filme, e a rapaziada tem que fingir estar fazendo um filme para poder construir o esgoto. A partir daí, juntando alguns jovens que não entendem nada de cinema (interpretados por Wagner Moura, Fernanda Torres, Bruno Garcia e Camila Pitanga) temos o divertido privilégio de conhecer como se produz um filme “trash”, ou seja, um filme com uma idéia grotesca e sem sentido, em que atores sem experiência interpretam cenas mal concebidas, com figurinos pegados no fundo da mala e efeitos especiais da Era Paleozóica – estes a cargo do expert-de-província interpretado por Lázaro Ramos.

Os filmes de Furtado têm diálogos inesperados e verossímeis, com tudo que há nos nossos diálogos reais: os ziguezagues, as repetições, as falações simultâneas, as frases deixadas pela metade, e a peculiar surdez psicológica que nos acomete quando estamos mais concentrados em pensar no que diremos em seguida do que em prestar atenção ao que o outro está dizendo agora. Seus atores, jovens, rápidos, acostumados entre si, mantêm esses longos diálogos no ar como uma peteca que não cai nunca. Falei nos jovens, mas o veterano Paulo José faz um velho fabricante de móveis a quem cabe uma ótima ponta como cientista louco e boas contracenas com o “italiano” Tonico Pereira.

Há décadas se diz que o cinema brasileiro vive entre dois extremos: obras-primas que ninguém entende e filmes vulgares que apelam para a ignorância. Faltaria aqui (dizem) aquele meio termo que mantém de pé a maioria das indústrias cinematográficas: o filme de entretenimento de boa qualidade. Pois bem, uma das melhores coisas do cinema brasileiro dos últimos 15 anos é a quantidade de filmes com esse perfil. É o caso de Saneamento Básico, que traz para a tela grande algumas coisas boas da nossa televisão (jovens atores de talento, ação e diálogo naturalistas mas com imaginação e criatividade, narrativa rápida). Além de ser uma divertida homenagem ao cinema-lixo.

4 comentários:

Joe_Brazuca disse...

Em 1º, seu blog é excelente !

O filme é um show mesmo...Boa fotografia e que tais...fora os atores (que apesar de "globais - não há jeito-...esta "sina" vai demorar mundos ainda no Brasil, mas essa é outra estorinha...rs)que dão outro show de interpretação e fôlego incontestáveis...

e sua matéria resumiu esplendidamente tudo isso !

um abraço e nossos parabéns !

Joe

( ja deve ter assitido "o cheiro do ralo", não ?...outro, ao meu ver, com a mesma "estirpe"...)

Unknown disse...

bom nao vou falar do filme pois nao o vi ainda, porem gostaria de fazer uma pergunta. Acabei de ler a espinha dorsal da memoria, e fiquei com uma diuvida, quem sao os intrusos?? Não sei se minha analise esta correta acho nesse livro conta a historia de nos brasileiros quensomos abastecidos com tecnologias estrangeiras sem dar-nos conta de que isso pode ser o nosso fim> Gostaria que me desse uma luz para esse maravilho livro, obrigado

Braulio Tavares disse...

André, os Intrusos são aquilo mesmo que está descrito no livro: uma raça alienígena. Eu não faço alegorias nas minhas histórias. Se minha intenção fosse escrever sobre o Brasil e sua relação com a tecnologia estrangeira, eu teria feito um romance realista, ambientado no Brasil de hoje. Os Intrusos são o mistério, o desconhecido. Eu não sei o que são (nunca parei pra pensar nisso).

Unknown disse...

obrigado estava fazendo uma analise errada de sua obra, julgava ser uma alegoria, agora irei reler o livro com essa visão mais ficcional