quinta-feira, 26 de novembro de 2009

1383) O herói, o monstro e a donzela (19.8.2007)





("Saint George" de Burne-Jones)

As capas dos “pulp magazines”, as revistas de ficção científica dos anos 1920-1940, me fascinam pela sua imaginação desenfreada, pelo aparente absurdo, por um pensamento selvagem que deleitaria os surrealistas dos anos 1920. 


Há nessas capas uma situação que se repete ciclicamente, e que eu batizei “o herói, o monstro e a donzela”. É a imagem de uma mulher jovem, bonita, aterrorizada, sendo ameaçada (ou às vezes carregada nos braços) por um monstro que pode ser um alienígena, um robô, um ser anfíbio e lagartiforme, um cientista louco, um esqueleto vivo, um zumbi, um vampiro; e do lado oposto da imagem surge um herói, geralmente jovem, musculoso, empunhando uma arma qualquer e confrontando o monstro, naquela atitude de “solta ela senão morre”. 


Seria possível reunir um álbum volumoso só com variantes desta imagem básica, e ela ocorre na ficção científica, na fantasia, no terror. Sempre este triângulo recorrente, cuja estrutura não pode se dever apenas a determinações editoriais ou à falta de imaginação.



Quando um sintoma retorna o tempo todo, tem alguma coisa por trás dele, empurrando-o, querendo fazê-lo surgir à luz. Um dia, me deu um estalo: São Jorge, o dragão e a donzela. 



Peguem os milhões de imagens de São Jorge que circulam pelo mundo, e estes três elementos sempre estarão presentes, obrigatórios. Eles se devem à lenda de São Jorge colhida da Legenda Áurea (coletânea de lendas e mitos cristãos do século 13). 

Segundo a lenda, havia uma cidade cuja lagoa (ou fonte) foi ocupada por um dragão, que trouxe a praga para a cidade, e exigia sacrifício de vidas humanas. Quando a filha do rei foi sorteada para sacrifício, o rei prometeu metade do seu reino a quem a salvasse. Vestida de noiva, ela foi conduzida à lagoa para ser entregue ao dragão. 

São Jorge apareceu, fez o sinal da cruz, enfrentou o dragão e cravou-lhe a lança. Quando o dragão foi ferido, Jorge pediu à princesa a sua cinta e amarrou-a ao pescoço do dragão, que a partir de então ficou manso como um cordeiro.


O mito é uma espécie de ritual de purificação masculina para ter direito ao casamento nobre. O dragão representa os “instintos bestiais” masculinos, que todos conhecemos tão bem. Ele bloqueia o acesso à fonte (ao fluxo livre e saudável de energias psíquicas), e representa uma ameaça à noiva. 

É preciso que o herói, o Ego, combata e domine esses instintos brutais (que são uma metade dele mesmo), com o auxílio da Igreja (o sinal da cruz, que em versões mais antigas é o bastante para derrotar a fera), da mulher (a cinta) e do próprio falo, simbolizado pela lança e indicando que não houve uma perda de masculinidade.

Nas capas das revistas “pulp” a lança é substituída por pistolas que emitem raios, etc. Elas expressam um triângulo amoroso entre a mulher e as duas faces do homem, a face bestial e a face civilizada, no qual a civilização deve predominar, seja destruindo, seja subjugando os instintos primitivos.






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