quarta-feira, 24 de maio de 2023

4945) Cinco começos Bulwer-Lytton (24.5.2023)


O Prêmio Bulwer-Lytton é concedido anualmente a quem apresentar o pior começo de romance, o mais mal-escrito possível. Criar começos assim acabou se transformando num passatempo para escritores, uma espécie de demonstração prática de "como não escrever". 


1

“Never Say I Don’t Know”, de Barbara Scanlan.

“Em todo o Hemisfério Ocidental (e por que não dizer, também no Oriental) milhões de mulheres suspiravam à noite ao serem assaltadas não por assaltantes propriamente ditos, mas pela fantasia de um dia viverem a vida de Tabatha Westinghouse, e de estarem em seu lugar quando ela percorria em seu Rolls Royce (no banco traseiro, evidentemente) as avenidas mais chiques de Paris e Londres, duas cidades onde ela provavelmente não poderia caminhar na calçada sem ser abordada de forma álacre e incrédula justamente por essas mulheres que acompanhavam religiosamente sua vida pelas colunas sociais dos tablóides sensacionalistas dos dois hemisférios, sem saberem, distanciadas que estão, que nem toda vida de mulher de milionário é o mar de rosas ou o colchão de plumas que é descrito nos tablóides, mas que uma vida como esta, como mostraremos a partir das próximas páginas, é composta também, em grande parte, de momentos, dias e anos de renúncia, de angústia, de tensão, e por que não dizer do sonho de se tornar novamente aquela menina camponesa que saltitava alegremente nos prados da fazenda onde foi criada, antes de se tornar a adolescente que lia tablóides e em seguida, num golpe do Destino que também não nos furtaremos de narrar, em Tábatha Westinghouse, a esposa e futura única herdeira do império de Benjamin Westinghouse, o maior fabricante de fraldas geriátricas de todos os hemisférios.”


2

“Tough Guy At Large”, de Skip Driscoll

"Ele estava sentado no chão, apoiando as costas na parede. Arfava. O sangue lhe escorria pelo queixo, pelo pescoço, empapava a gravata de seiscentos dólares. “Vamos”, disse eu, só para dizer alguma coisa, “diga alguma coisa”. Ele mexeu a boca, mexeu, mexeu, cuspiu um dente e rosnou: “Diga a Morello que ele me matou de graça, porque não vou entregar ninguém.” “Não matamos você ainda”, ripostei de pronto. “Você vai morrer bem devagarinho, enquanto entrega todo mundo.” Ele olhou para a mesa. Havia uma automática sobre a mesa. A três metros. Ele não poderia dar um salto de três metros do lugar onde estava, mas mesmo assim fiquei de olho. Ele era guarda-costas de um mobster, e um sujeito não se torna guarda-costas de mobster sendo bobo. Pelo menos é o que acontece na maioria dos casos."



3

“Saudação ao Crepúsculo”, de Anastácio Dalemberte.

"Longas são as noites de primavera quando a atmosfera inteira parece se impregnar do perfume das flores recém-desabrochadas, que, tímidas, abrem-se para o mundo cheias de delicada expectativa de todos os seres que veem na vida um cumular de sensações extasiantes, e se preparam para toda uma existência consistindo apenas no dar perfume e receber adoração. Sim, nessas noites de primavera tudo é possível! Todos os desejos parecem maduros a ponto de serem concretizados, os sonhos transpõem o limiar do real, e todo esse frêmito de nova vida que ressurge está vibrando ao diapasão – não, não recuemos diante desta palavra sagrada – ao diapasão do Amor." 


4

“O x”, de Pietro Barbieri

"A página. A página branca, retangular. Fita-me com seu vazio. Incita-me com sua disponibilidade. Provoca-me com a sua nitidez. Tudo é possível diante da página em branco. E ao mesmo tempo tudo é impossível. Qualquer começo é impossível, no feixe de virtualidades que se superpõem e que mutuamente se cancelam. A página tudo aceita, e ao mesmo tempo tudo proíbe. A página é um reflexo desta minha existência, destes meus 27 anos dedicados mais a ler que a viver, e talvez por isto mesmo ela me lance o desafio, o desafio esfíngico, de me propor mudamente: É isto que queres –  escrever? Por que não vais viver, tu que viveste tão pouco? E no mesmo impulso eu sinto a resposta brotar de dentro de mim: Não, não quero viver, porque viver é um ato filosoficamente gratuito, como já foi demonstrado à saciedade por outros filósofos; eu quero escrever, para provar que escrever me justifica. Página, estás prestando atenção?! " 


5

“Guerra nos Planetas” de J. Wilson Perdigão

"O sistema solar de 47-XFK-38 estava em polvorosa com a notícia, divulgada minutos antes pelos principais meios de comunicação, de que uma Frota Estelar composta de onze torpedeiros, doze naves logísticas, doze naves-mães e vinte e cinco espaçonaves leves de tiro rápido próprias para se locomoverem com rapidez e agilidade numa atmosfera semelhante à da Terra estava se aproximando. As intenções eram visivelmente hostis, visto que foi rapidamente confirmado pelos observadores nos telescópios que era uma frota Remulana, país com que o sistema solar estava em guerra há vários anos, e bastou isso para que soasse em todos os planetas o sinal de alarme e os soldados conscritos que estavam de sobreaviso para qualquer emergência fossem rapidamente arregimentados para pilotar a frota de defesa. A galáxia se preparava para contemplar uma batalha nunca jamais vista! " 

 

 (Ilustrações produzidas com o software de Inteligência Artificial "Bing".





2 comentários:

Lisandro Gaertner disse...

Excelente. O meu projeto do #the100dayproject desse ano é justamente 100 frases iniciais de romances e contos que nunca vou escrever. https://photos.app.goo.gl/vCECXj4cynk6HYDp7 Muitas se encaixam no critério de (má) qualidade com o qual brincou no texto. :-)

Paulo Rafael disse...

Tive que decifrar.

O prêmio é verdadeiro - de início, pensei que era criação de BT. Agora, os textos e os escritores, parece-me, estes são fictícios porque não os encontrei na lista de ganhadores do BLFC.

Grande Braulio!