sábado, 27 de fevereiro de 2010

1720) O vício de Daniel Dantas (16.9.2008)



Numa matéria recente, um jornalista comentou que o sofá no apartamento do banqueiro Daniel Dantas está rasgado. Dantas está envolvido no escândalo da Operação Satiagraha da PF, e é considerado um dos maiores manipuladores de fortunas deste país. Não vou questionar a lisura das suas operações financeiras. Isto fica para o Poder Judiciário do país (e os amigos mais cínicos me sussurram: “...que é justamente onde ele já comprou muita gente a peso de ouro”). É no sofá rasgado que quero me deter. O jornalista perguntava com seus botões, ou com suas teclas: “Como é que um sujeito bilionário tem um sofá rasgado e não troca? Por que fica se matando de trabalhar e se metendo em operações escusas, apenas para ganhar mais dinheiro do que poderia gastar?”.

Já li muitos livros sobre viciados em drogas, não porque o vício em si me desperte o interesse, mas porque são numerosos os escritores que usaram a literatura como equilíbrio a um vício que os destruía por dentro. Philip K. Dick e William Burroughs são os mais notórios. Os jovens pensam que eles foram grandes escritores por causa da droga. Na verdade, eles tinham com a droga a mesma relação que um atleta paraolímpico tem com sua deficiência física. Talvez tenha sido a deficiência que os transformou em atletas, e sem ela eles tivessem virado comerciários ou caixas de Banco; mas a atividade atlética é uma forma de provar ao mundo: “Eu sou isto que vocês estão vendo, mas não sou só isto”. A literatura de Dick e Burroughs era o outro prato da balança, que os ajudou a equilibrar o terrível peso da droga.

A droga de Daniel Dantas é o poder, é a vitória, é (perdoem-me a heresia) o pódio olímpico do golpe financeiro. Não é dinheiro que os move. Não é (como na nossa pacata vidinha) a perspectiva de comprar um sofá novo no mês que vem. É um jogo abstrato de números que na sua mente valem como números em si, não como soma monetária, valor de uso, poder aquisitivo. São os meros números: comprei por 5, vendi por 10... Não importa se são bilhões de dólares ou milhões de euros. Sua droga não é a economia, é a aritmética.

A vida de um drogado (dizia Burroughs) só tem dois momentos: a Aplicação e o Intervalo. A Aplicação é quando ele se auto-ministra a droga. O Intervalo é tudo que ocorre entre uma Aplicação e outra, e sua função é providenciar a próxima Aplicação (arranjar dinheiro, procurar um traficante, etc.). Assim deve ser a vida dos grandes banqueiros, dos grandes especuladores como George Soros ou Naji Nahas, dos grandes viciados no xadrez das armações corporativas. Lembram-se do filme Uma Linda Mulher? Eu lembro de algo, além dos lábios e dos olhos de Julia Roberts. Lembro de uma frase do “danieldantas” interpretado por Richard Gere. Quando ela lhe pergunta o que faz na vida, ele diz: “Compro empresas, quebro-as, e vendo os pedaços”. É um vício como qualquer outro: uísque, pedras de crack, seringa de heroína.

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