sábado, 14 de junho de 2008

0408) A guerra sem bandeiras (10.7.2004)

(Chuck Norris)

Daqui a cem anos, esse negócio de “o país tal”, “a presidência da república”, as “fronteiras nacionais”, etc. terá terminado de escorrer pelo ralo. O capitalismo não tem nação, não reconhece nenhuma Constituição, ignora fronteiras, e envia seus exércitos para onde quer que exista o oxigênio que o mantém vivo: o Lucro. Está reservada a todos os governantes do mundo (sejam eles presidentes, reis, primeiros-ministros ou aiatolás) a dúbia função exercida pela Rainha da Inglaterra: a de reinar sem governar. O poder político vai se transformando, cada vez mais, numa espécie de encenação teatral destinada a distrair e agitar a população (“Quem será que vai ganhar? Lula ou Zé Serra? Bush ou Kerry?”) enquanto o verdadeiro poder circula de terno e pastinha pelos aeroportos, bancos e ministérios do mundo.

Um artigo recente de Bruce Sterling na revista Wired (julho) adverte: “Fomos obrigados a sofrer sob o terror sem pátria; pois agora se preparem para a guerra sem bandeiras.” Sterling está se referindo às numerosas (e cada vez maiores, e cada vez mais poderosas) empresas que fornecem segurança às companhias e aos grupos políticos que agem, por exemplo, no Iraque pós-Saddam. Aqueles quatro americanos que foram queimados, mutilados e pendurados numa ponte em Falujah trabalhavam para empresas de segurança; a imprensa informou que são profissionais ganhando entre 2 e 4 mil dólares por semana. Nada mau, mesmo correndo o risco de ser tratado como um judas-de-sábado-de-aleluia. Mas esses caras são todos metidos a Chuck Norris. Gostam de correr riscos.

As empresas de segurança não estão no Iraque para “assegurar uma transição pacífica do poder” ou para procurar Osama bin Laden: estão para garantir que o petróleo continue circulando nos numerosos dutos que o conduzem aos mercados mundiais. Sterling lembra o que ocorreu na década de 1990 em Serra Leoa, quando o governo recorreu a uma companhia de segurança (eufemismo para “exército de mercenários”) para livrar-se do rebeldes que ocupavam as minas de diamante, em troca de 40% dos lucros de exploração. Em pouco tempo a companhia, chamada Executive Outcomes, tinha se expandido para países como Angola, Quênia, Malawi, Moçambique, Sudão e Uganda. Tais companhias seguem uma ética de jagunços: proteger o patrão, passar por cima de quem se atravessar na frente, afugentar os indecisos e eliminar os descontentes.

O patrão, é claro, são as grandes companhias que foram com muita sede ao pote petrolífero de Saddam Hussein: a BDM International, a Blackwater, a Halliburton (ligada ao vice Dick Cheney), a Kellogg Brown and Root, a MPRI, a Vinelli e outras. Enquanto xiitas e sunitas se matam uns aos outros pelo simbolismo do poder político (ou por mera vingança entre clãs), e as TVs se preparam para o circo do julgamento de Saddam, os exércitos sem bandeira travam sua guerra pessoal em busca do que realmente interessa: o ouro negro.

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