quarta-feira, 26 de março de 2008

0296) Como uma onda no mar (2.3.2004)




O Universo é formado de processos, de fluxos de eventos. Estes processos são tão reais quanto as coisas neles envolvidas, ou até mais. Volto ao exemplo da onda do mar (“No meio do redemunho”, 29.5.2003): quando a onda percorre horizontalmente a água, a água não está correndo; ela limita-se a se erguer verticalmente e depois se abaixar. Quem passa é a onda. O movimento é tão real quanto a coisa movimentada.

E cada coisa que vemos não passa de um instantâneo, de uma polaróide daquela coisa num momento qualquer de seu movimento ao longo do tempo e do espaço. Basta olharmos uma sequência de fotos nossas, desde a infância, a adolescência, a juventude, a idade madura... Nosso corpo vai se transformando, ao longo do tempo, e aquelas fotos registram fases sucessivas.

Este banquinho de madeira ao lado da minha escrivaninha é uma “foto” momentânea do que está acontecendo com estes pedaços de madeira, que já foram árvore, agora são um banquinho e um dia serão cinza.

Não me lembro se foi Tancredo Neves ou Ulisses Guimarães quem disse que pesquisa eleitoral “é como tirar a foto de uma nuvem”. Quando a foto tá pronta e você consegue olhar para ela, a nuvem já não é mais daquele jeito.

A consciência humana vive no passado. Quando entendemos um fato que ocorreu conosco é porque ele já passou, e já estamos mergulhados em outro fato que ainda não começamos a entender. Na cultura militar existe a máxima de que todos os generais sabem como foi ganha a última guerra, mas ninguém sabe ainda como vai ser ganha a próxima. Só fechamos a porta depois de roubados.

A polícia americana, hoje, não faz outra coisa senão dificultar a entrada de árabes e facas nos aviões de carreira. Até parece que em todos os aeroportos de lá há a foto de uma nuvem com a legenda “Procura-se”.

A gente não pode ficar parando demais para analisar as coisas, porque novas coisas estão acontecendo a cada instante, e se acumulando, e só em casos muito raros vale a pena a gente chegar a entender por completo o que aconteceu em 6 de abril de 1935. Os fatos estão vindo, vindo, vindo, e temos que seguir em frente, passando através deles.

A melhor metáfora para isto é bicicleta. Ao andar de bicicleta, a gente projeta o corpo para a frente, pedalando, porque a única maneira de não cair para os lados é movendo-se para a frente. Sabemos por onde acabamos de passar, e conseguimos prever o trajeto algumas dezenas de metros à frente, mas nosso momento presente é como o de uma flecha . Lidamos com os problemas do terreno à medida que eles se apresentam, e depois que passam não podemos ficar analisando, porque vem mais, vem sempre mais.

 Andar de bicicleta, dirigir carro, nadar, tudo isso é resolver problemas à medida que se apresentam. Jean-Luc Godard dizia: “Fazer cinema é resolver problemas. Um motorista de táxi vai se metendo em problemas e os vai resolvendo. Picasso faz a mesma coisa enquanto pinta.”






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