quarta-feira, 26 de março de 2008

0299) Meu candidato ao Oscar (5.3.2004)


(Carlos Saldanha)

Todos torciam por “Cidade de Deus” na cerimônia do Oscar. Todos vírgula, porque há por aí espíritos-de-porco que se ofendem com o sucesso alheio. Na feira-das-vaidades do cinema nacional, muita gente mandou bater bombo para que o filme de Fernando Meirelles não ganhasse nada, assim como já o tinha feito contra os filmes dos Barretos e de Walter Salles. É engraçado. A gente torce por Peter Jackson ou por Clint Eastwood porque eles não são humanos como nós: são personagens eletrônicos, seres fictícios que habitam um mundo supra-real. Edgar Morin inventou um nome para isto: os olimpianos. São semi-deuses do Monte Olimpo das telecomunicações. Se ganham um Oscar, nada mais justo, pois o Oscar existe no mesmo plano de luminosidade e intocabilidade em que eles se deslocam. O que eu, bom brasileirão, não posso admitir, é que o Oscar vá para um sujeito que janta no Manuel & Joaquim e que toma chope no Bracarense. Se isso acontecer, não deixarei de sentir o aguilhão venenoso do ciúme e da inveja: “Esse cara não tem o direito de ser melhor do que eu!”

O “eu” acima é figura de retórica, porque não sinto inveja de ninguém, e aliás meu objetivo na vida não é o Oscar, e sim o Nobel. Portanto, torci por “Cidade de Deus”, principalmente pelo roteirista Bráulio Mantovani, porque caso ele ganhasse isto seria o mais perto que eu poderia chegar de um prêmio da Academia. E ademais essa coisa de cinema e TV é tão caótica que eu passaria os próximos dez anos sendo confundido com ele e recebendo polpudas encomendas de roteiro. No fim das contas, “O Senhor dos Anéis” arrastou tudo a que concorria. Como disse Spielberg ao ler o derradeiro envelope, foi “a clean sweep”, ou seja, “varreu que deixou limpo”. E merecidamente: dei nota 8 à trilogia (sou exigente).

Meu candidato, contudo, não era nenhum desses. Era o filme de Carlos Saldanha que concorria ao Oscar de Melhor Curta de Animação: um desenho animado figurando aquele roedorzinho neurótico que aparece no começo e no fim de “A Era do Gelo”, um dos melhores desenhos animados dos últimos anos. Saldanha, brasileiro transplantado para os EUA, tem como torcida todos os malucos que, como eu, acham que a Animação está para o cinema assim como a Poesia está para a literatura. A Animação é o reino absoluto da imaginação criadora, um reino onde tudo brota do zero, onde tudo pode ganhar forma, tudo pode existir e atuar, tudo pode acontecer. É também, hoje, uma encruzilhada imprevista e fascinante entre Cinema, Artes Gráficas e Informática, e basta pensar na convergência destas avenidas gigantescas para se ter uma idéia do turbilhão de possibilidades criativas que está brotando no mundo.

Saldanha não ganhou o Oscar; tudo bem. Tem tempo. Indiferente às condecorações do Capitalismo Industrial, o turbilhão continua a girar, produzindo um universo virtual tão poderoso que corre o risco de fazer com que, no futuro, o cinema com atores passe a ser considerado um sub-gênero do Teatro.

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