(cartum em The New Yorker)
Folheando um velho caderno do tempo da faculdade, achei a certa altura uma lista de nomes, compilada evidentemente ao longo de anos, pois nela apareciam canetas diferentes, caligrafias mais calmas ou mais apressadas, sempre com minha letra. A princípio não entendi que lista era aquela, cheia de gente famosa: Maiakóvski, Gérard de Nerval, Mário de Sá-Carneiro, Raul Pompéia, Virginia Woolf, Max Linder, Vachel Lindsay, Assis Valente... Não vou copiar a lista toda, porque é longa, mas em qualquer enumeração desse tipo o padrão acaba surgindo: é uma lista de suicidas. Havia alguns nomes colocados por engano – Raymond Radiguet e Jack London, por exemplo, certamente não se suicidaram. Prova de que naquela época eu checava minhas fontes muito menos do que hoje.
O sujeito que se suicida merece toda minha admiração, se não pelo discernimento, mas pela coragem que demonstra. Nem sempre sabemos o que o leva a matar-se. Alguns deixam bilhetes desesperados. O humorista Péricles, criador do “Amigo da Onça”, matou-se com gás, e deixou um bilhete que é um primor de pragmatismo e ironia: “Não risquem fósforos, é gás”. O poeta Torquato Neto vedou as frestas do banheiro de casa, ligou o gás e ficou escrevendo até perder os sentidos, na noite em que completou 28 anos. Outros nada escrevem, mas deixam em seu último gesto um terrível simbolismo, como o goleiro Castilho, ex-Fluminense, bi-campeão nas Copas de 58 e 62, que se suicidou pulando de um sexto andar: o último vôo.
Parece que depois de tomada a decisão, nada mais pode deter o suicida. Em seu poema “Maio 20, 1928”, Jorge Luís Borges descreve um desses eventos: “Sua vontade lhe impôs uma disciplina precisa. Fará determinados atos, cruzará previstas esquinas, tocará numa árvore ou numa grade, para que o futuro seja tão irrevogável como o passado. (...) O espelho o aguarda. (...) Tratará de imaginar que o outro, o do cristal, executa os atos, e que ele, seu duplo, o repete.” Uma tentativa abortada de suicídio, dizem, inspirou este poema a Borges, que no derradeiro instante recuou diante do gesto sem volta.
No filme “Delírio de Amor”, o compositor Tchaikóvski joga-se no rio, para perceber, humilhado, que a água rasa lhe chega apenas aos joelhos. Mais sorte tem um personagem de “O Senhor Embaixador” de Érico Veríssimo, que tenta matar-se com pílulas para dormir. Em seus últimos minutos, faz pela primeira vez uma longa reavaliação de sua vida, enxergando-a com tal nitidez que percebe a loucura que está a ponto de cometer. Levanta-se, força-se a vomitar, tomado por um súbito arrebatamento, reconciliado com a vida. Menos sorte tem o personagem de Jean-Paul Belmondo em “O demônio das onze horas” de Godard, que amarra uma porção de bananas de dinamite à cabeça, acende os rastilhos... e a certa altura muda de idéia. Mas é muito tarde, não consegue apagar todos, e acaba indo pelos ares. Quem mandou brincar com essas coisas?
Folheando um velho caderno do tempo da faculdade, achei a certa altura uma lista de nomes, compilada evidentemente ao longo de anos, pois nela apareciam canetas diferentes, caligrafias mais calmas ou mais apressadas, sempre com minha letra. A princípio não entendi que lista era aquela, cheia de gente famosa: Maiakóvski, Gérard de Nerval, Mário de Sá-Carneiro, Raul Pompéia, Virginia Woolf, Max Linder, Vachel Lindsay, Assis Valente... Não vou copiar a lista toda, porque é longa, mas em qualquer enumeração desse tipo o padrão acaba surgindo: é uma lista de suicidas. Havia alguns nomes colocados por engano – Raymond Radiguet e Jack London, por exemplo, certamente não se suicidaram. Prova de que naquela época eu checava minhas fontes muito menos do que hoje.
O sujeito que se suicida merece toda minha admiração, se não pelo discernimento, mas pela coragem que demonstra. Nem sempre sabemos o que o leva a matar-se. Alguns deixam bilhetes desesperados. O humorista Péricles, criador do “Amigo da Onça”, matou-se com gás, e deixou um bilhete que é um primor de pragmatismo e ironia: “Não risquem fósforos, é gás”. O poeta Torquato Neto vedou as frestas do banheiro de casa, ligou o gás e ficou escrevendo até perder os sentidos, na noite em que completou 28 anos. Outros nada escrevem, mas deixam em seu último gesto um terrível simbolismo, como o goleiro Castilho, ex-Fluminense, bi-campeão nas Copas de 58 e 62, que se suicidou pulando de um sexto andar: o último vôo.
Parece que depois de tomada a decisão, nada mais pode deter o suicida. Em seu poema “Maio 20, 1928”, Jorge Luís Borges descreve um desses eventos: “Sua vontade lhe impôs uma disciplina precisa. Fará determinados atos, cruzará previstas esquinas, tocará numa árvore ou numa grade, para que o futuro seja tão irrevogável como o passado. (...) O espelho o aguarda. (...) Tratará de imaginar que o outro, o do cristal, executa os atos, e que ele, seu duplo, o repete.” Uma tentativa abortada de suicídio, dizem, inspirou este poema a Borges, que no derradeiro instante recuou diante do gesto sem volta.
No filme “Delírio de Amor”, o compositor Tchaikóvski joga-se no rio, para perceber, humilhado, que a água rasa lhe chega apenas aos joelhos. Mais sorte tem um personagem de “O Senhor Embaixador” de Érico Veríssimo, que tenta matar-se com pílulas para dormir. Em seus últimos minutos, faz pela primeira vez uma longa reavaliação de sua vida, enxergando-a com tal nitidez que percebe a loucura que está a ponto de cometer. Levanta-se, força-se a vomitar, tomado por um súbito arrebatamento, reconciliado com a vida. Menos sorte tem o personagem de Jean-Paul Belmondo em “O demônio das onze horas” de Godard, que amarra uma porção de bananas de dinamite à cabeça, acende os rastilhos... e a certa altura muda de idéia. Mas é muito tarde, não consegue apagar todos, e acaba indo pelos ares. Quem mandou brincar com essas coisas?
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