Terminando de ler o livrinho bem cuidado e simpático da
coleção “Editando o Editor”, da EdUsp. É uma coleção voltada para depoimentos
autobiográficos de editores brasileiros, traçando sua trajetória, sua formação,
e a sua atividade como editor de livros.
Em seu décimo número, a coleção mudou de nome para
“Editando a Editora”... porque coube às autoras Marisa Midori Deaecto e Carolina Bednarek Sobral entrevistar a primeira mulher dessa seleção
majoritariamente masculina.
Maria Amélia Mello é minha editora, e amiga desde que
pus os pés para morar no Rio de Janeiro. Ou até antes disso, porque antes de
alugar casa aqui pela primeira vez me lembro de ir visitar o Centro de Cultura
Alternativa que ela dirigiu na RioArte (ela fala disso no livro), e de deixar
ali meus cordeizinhos e provavelmente meu livro Sai do Meio Que Lá Vem o Filósofo (1980).
(Maria Amélia Mello)
Somos da mesma geração e não é de admirar tantas
coincidências de filmes, músicas, leituras (ponha Cortázar, Campos de
Carvalho...). Ela observa que desta geração em diante os cargos editoriais
começaram a ser ocupados por pessoas que, como ela, vinham da área do Jornalismo.
Comenta o susto que teve ao descobrir o quanto Frida Kahlo era famosa, e que o
olho de um editor precisa se estender a todos os campos além das “Letras”:
Esta história demonstra que o
editor tem que ser ousado, mas também muito atento, fazer as sinapses, as
conexões entre tudo que está acontecendo na área cultural. (...) Quando entrei
na [editora] Civilização [Brasileira], em 1978, havia pouco diálogo entre as
áreas, os livros “apareciam” na minha mesa e ninguém sabia de onde saíam. Os
editores vinham da Sociologia, História, Letras. Mas na década de 1990, na
época de Frida Kahlo, havia muitos jornalistas migrando para o editorial. E
jornalista é assim, tem agilidade, faz pauta, sabe quem pode escrever sobre um
determinado tema, vai atrás de uma informação. Coisas que faltavam no mercado,
para o qual a entrada dos jornalistas trouxe um novo fôlego. E uma curiosidade:
a entrada de mulheres como editoras, em cargos de comando. (p. 123-124)
Eu sou principalmente um literato (poeta, contista,
romancista) mas já trabalhei em jornal, estudei fugazmente num curso de
Ciências Sociais, e sempre achei que o mercado editorial deveria servir a todos
estes senhores. A Literatura é vista por uns como uma aristocracia do espírito,
por outros como a prima pobre cuja fama se esgota na noite do coquetel. O(a)
editor(a) tem que ter essa visão de perceber as diferentes frequências-de-onda
de um livro de poesia e um tratado sociológico, de uma antologia de contos e
uma biografia, de um romance e um livro de história do cinema. Não se pode
tratar tudo isto com os mesmos modelos estatísticos, como se fossem creme
dental ou cerveja.
Acho o olho jornalístico tão importante quanto o olho
científico, o olho entretenimento, o olho show-business e muitos outros, porque
em toda área existe a possibilidade de descobrir um livro novo, um livro bom,
um livro que vai trazer uma nova voz, um novo enfoque. Não existe só a alta literatura.
Existe o livro de boa qualidade, que não vai ser best-seller, mas que vende.
A presença de mulheres no mercado editorial é muito um
fenômeno da nossa geração. Há muitas editoras (mulheres) que publicaram livros
meus, e nesse “publicar” está incluído ler, avaliar, sugerir, mexer,
questionar, fazer alertas, propor, dar forma final, divulgar.
Posso estar
esquecendo alguém, mas já tive livros meus editados por Andréa Mota (Pirata), Maria
Emilia Bender (Brasiliense), Vivian Wyler (Rocco), Valéria Gauz (Biblioteca
Nacional), Bia Bracher (34), Martha Ribas (Casa da Palavra), Clotilde Tavares
(Engenho e Arte), Maria Amélia Mello (José Olympio), Renata Nakano (Casa da
Palavra), Fernanda Cardoso (Casa da Palavra), Inez Koury (Bagaço), Lucinda
Azevedo (Imeph), Sandra Abrano (Bandeirola)... Minha gratidão a todas, pela
paciência e clarividência.
Isto sem falar nas que me guiaram em mil outros trabalhos, como redator e
tradutor. Algumas, em casas editoriais gigantes, outras em editoras da
sala-de-visitas; não importa.
E não se pense que não tive (e tenho) excelentes editores, talvez até mais numerosos. Far-lhes-ei a devida vênia no melhor momento. São meus parceiros, eles e elas. Sempre que um leitor argumenta algo comigo nos termos de "Ah, mas o livro é seu", respondo: "O que é meu é o texto; o livro foi a editora que fez". O processo é sempre o mesmo: “isto aqui é bom,
vale a pena gastar dinheiro para imprimir cópias numa gráfica e tentar vendê-las
ao povo”.
Existe um “olhar feminino”, um “radar feminino” na
escolha e publicação de livros? É bem capaz, mas não me arrisco a defini-lo.
Minha teoria básica é de que no plano literário tudo que um homem é capaz de
pensar uma mulher também pode, e vice-versa. Para além disso, entram as
histórias pessoais, as sensibilidades individuais, as leituras e experiências –
que são sempre únicas, são só da pessoa.
O bom é quando vem a encomenda, como no dia em que Maria
Amélia me mandou um email pedindo um livro sobre Ariano Suassuna, que escrevi
em dois meses. O ABC de Ariano Suassuna
(José Olympio, 2007) não é um estudo aprofundado sobre o criador de Quaderna,
mas me parece uma boa introdução ao universo variado e intenso que ele criou.
Diz a editora:
Este “novo” editor participa
das pautas, das vendas, do marketing, da divulgação, ou seja, de todo o
processo. Nós fazemos, muitas vezes, até o preço do livro, pois quanto mais
falamos em letras mais nos preocupamos com números. Esse diálogo é saudável,
pois assim é possível encontrar o melhor momento para publicar um livro,
lançando mão de ferramentas de outras áreas. Existe também a relação com sites, blogs, tecnologias, como as de printing
on demand, que vêm ganhando espaço. Tudo para acertar mais nas escolhas,
enxugar custos, evitar estoques e focar melhor. (p. 172-173)
Eu tenho a sorte de poder publicar constantemente (um
amigo meu diz que eu tenho mais títulos publicados do que exemplares vendidos).
E sempre vejo no editor um parceiro de criação. O editor é o primeiro leitor de
um livro, e mesmo que uma sugestão dele não seja aceita pelo autor, ela revela
uma maneira-de-ler-aquilo para a qual o autor precisa estar atento.
No fim das contas, o trabalho criativo de um editor é
como o do antologista, função que exerço de vez em quando. É ficar atento para
as coisas boas que aparecem ao longo das leituras, da vivência, das conversas.
Perceber a qualidade e a novidade que há em cada uma, o toque diferente,
relevante. Anotar muito, fazendo aproximações por diferentes associações de
idéias (“isto aqui dá certo junto com aquilo”). Redescobrir coisas boas
esquecidas; revelar coisas boas que acabaram de surgir. Compor, com obras
alheias, uma vitrine capaz de revelar uma visão própria.
Editar um livro é tratá-lo com
mão de jardineiro para que ele floresça. (p. 172)
Um comentário:
Editar é uma arte também.
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