quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

3735) O Jamacós (12.2.2015)



Existe uma zona limítrofe entre o reino animal e o reino vegetal. Musgos, líquens, fungos – tudo isso, embora pertença a um lado, guarda semelhanças ou afinidades com o outro, ou com nenhum. É o que se dá, só que numa escala maior e sob formas imprevisíveis, com o jamacós, uma criatura encontradiça em Bornéu, Sumatra, na Indonésia e em regiões tropicais do Pacífico. Falar do jamacós envolve vários níveis de dificuldade, a primeira delas relativa ao uso do plural ou do singular.

Visto à solta, na natureza, o jamacós parece uma mancha arroxeada de geléia de amora, grudada à casca de algumas árvores que são seu habitat preferido.  Essa mancha aumenta, diminui, desloca-se ao longo da casca de que se alimenta, deixando-a polida, sem rugosidades. Vista ao microscópio, a mancha revela ser um aglomerado fervilhante de pequenas criaturas arredondadas, com ventosas no ventre, unidas umas às outras por filamentos, como irmãos siameses. O jamacós adulto parece-se a uma joaninha, com um décimo de milímetro de diâmetro,  uma quase-esfera arroxeada coberta de pontos negros. A certa altura do ciclo vital, um desses pontos incha, estende-se em filamento e produz na ponta um jamacós idêntico ao original; sem se desprender do primeiro, este segundo jamacós também produz outros filamentos, reiniciando o ciclo, o que dá ao conjunto de todos eles o aspecto de uma infinidade de colares de contas, entrelaçados.

A ciência ainda questiona: o jamacós individual é a bolinha, ou o conjunto de todas elas? Metaforicamente: o indivíduo é a uva, ou o cacho de uvas?  Será que um conjunto dessas manchas de jamacós não pode ser considerado também um indivíduo?  Um conjunto de “cachos” de jamacós comporta-se muitas vezes (principalmente em sua absorção de cascas vegetais) como um indivíduo consciente de si e do ambiente à sua volta, capaz de tomar decisões, capaz de tirar do ambiente o que precisa para sua sobrevivência e de se reorganizar em função desse ambiente.

Há cada vez mais perguntas não-respondidas sobre essa estranha espécie, nas pranchetas e nos tablets dos biólogos. O que leva o jamacós de uma fazenda a aprender com as experiências alimentares de outro, a mil km de distância?  Por que um jamacós precisa alimentar-se sem cessar, se ele mal dorme, é quase imóvel, e não aparenta ter como consumir tanta energia?  São questões ainda em aberto para os que, como nós, se dedicam a essa pesquisa.  Estamos focados no objetivo final, aqui nas inúmeras estufas do Instituto.  Vários de nós já têm até jamacós de estimação, espalhados sobre o colo das professoras, como echarpes, ou presos à testa dos doutorandos mais jovens, estilo bandana.




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