É uma palavra que já vi produzir mais de um mal-entendido entre nordestinos e sudestinos em geral. Para o pessoal do Sudeste, vexame é sinônimo de constrangimento, vergonha, situação desagradável e embaraçosa:
“Passei o maior vexame ontem no Banco, um cheque meu voltou e tive que ir lá cobrir o valor”.
Desse sentido se derivam várias palavras correlatas:
“Fiquei muito vexado quando no meio da reunião o vice-presidente falou para todo mundo que estava esperando um relatório meu há uma semana e eu não tinha apresentado nada”;
“É melhor resolvermos isto internamente, pois eu não quero ficar exposto a uma situação vexatória diante dos alunos”.
No Nordeste, contudo, vexame significa pressa, açodamento: “Deixe de vexame, que o ônibus só sai às três horas e ainda é meio-dia.” Estar vexado é estar com pressa: “Olhe, vamos deixar para discutir isso outra hora, eu estou muito vexado porque deixei o táxi esperando aqui na frente”.
Um exemplo interessante e talvez pouco notado está no poema “Os doentes”, de Augusto dos Anjos:
“Do fundo do meu trágico destino,
onde a Resignação os braços cruza,
saía, com o vexame de uma fusa,
a mágoa gaguejada de um cretino.”
Note-se que o sentido do verso de Augusto é: “com a velocidade de uma música executada em fusa”. Uma fusa é uma das menores subdivisões do tempo musical, indicando notas executadas com grande rapidez. É uma imagem análoga à que o poeta emprega em “Gemidos da Arte”, onde um pássaro salta de galho em galho “com a rapidez de uma semicolcheia”.
Vexar-se, no sentido de apressar-se, fazer algo às pressas, aparece também no folheto Romance do Pavão Misterioso, de João Melquíades Ferreira:
“Logo no segundo dia
Creusa saiu à janela
os fotógrafos se vexaram
tirando o retrato dela
quando inteirou uma hora
desapareceu a donzela.
"João Batista viu depois
um retratista vendendo
alguns retratos de Creusa
vexou-se e foi dizendo:
quando quer pelo retrato?
porque comprá-lo pretendo."
“Avexar-se”, no sentido de “apressar-se” virou um desses termos que os cariocas consideram típicos dos nordestinos, tanto assim que se dirigem a eles, em tom brincalhão, dizendo: “Não se avexe não, bichim!”. A expressão, que pelo menos nos meus círculos linguísticos era de uso muito raro, voltou à evidência com a canção “A natureza das coisas”, composição de Accioly Neto gravada por vários cantores: “Se avexe não, que amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada...”
Note-se também que essa construção é tipicamente nordestina, dizer “Se avexe não” ao invés de “Não se avexe”. Detalhes assim são tão típicos da fala nordestina quanto o vocabulário propriamente dito.
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