sábado, 16 de outubro de 2010

2375) Um Nobel para Vargas Llosa (16.10.2010)



O peruano Mario Vargas Llosa acaba de receber o Prêmio Nobel de Literatura. Quando essas coisas acontecem, minha primeira reação é lamentar as inúmeras vezes em que me sentei com um livro do autor laureado, li 50 páginas e larguei para ler um livro de outro cara. No “boom” da literatura latino-americana, nos anos 1970, comecei a comprar tudo quanto era livro traduzido dos autores latinos. Pelas minhas mãos passaram livros de Juan Rulfo, Juan Carlos Onetti, Manuel Scorza, Carlos Fuentes, Lezama Lima, Manuel Puig, Miguel Ángel Astúrias, Juan José Arreola, e provavelmente outros que não lembro agora. Todos ótimos escritores, claro, mas, por alguma razão misteriosa, os únicos que me ficaram na preferência até hoje foram Garcia Márquez, Borges, Cortázar e Bioy Casares.

Vargas Llosa é um caso especial, porque tentei sem sucesso ler La ciudad y los perros (em português, “Batismo de Fogo”), suas memórias de estudante num colégio militar peruano, mas o livro que acabou caindo nas minhas graças foi Pantaleão e as visitadoras (que dizem ser uma obra menor), uma sátira muito divertida sobre um oficial do exército, muito conservador e emproado, a quem cabe a (in)grata tarefa de fornecer prostitutas para os soldados acampados num posto avançado na selva. As situações são hilárias, o personagem é impagável, e Llosa ainda consegue um “tour de force” com seu modo de narrar a maior parte do livro num esquema aparentemente impossível de manter por muito tempo, invertendo diálogo e descrição.

Nunca li o famoso A Guerra do Fim do Mundo, que Llosa escreveu sobre a Guerra de Canudos, porque sempre achava que primeiro precisava reler Os Sertões (o que só fiz recentemente), e depois porque muitos amigos meus detestam o livro, consideram-no uma interferência indevida em assuntos íntimos e privados de nossa História e da nossa Literatura. Dividido, fui ler outras coisas. Como por exemplo o divertidíssimo Tia Júlia e o Escrevinhador, que é para mim o grande livro dele. É uma história meio autobiográfica, sobre a paixão de um rapaz pela própria tia (que ele insiste em dizer: “Você não é minha tia, é apenas a viúva do meu tio”), alguns anos mais velha. Ele se apaixona por ela e insiste até convencê-la a casar; mas isto é apenas o começo das dificuldades. O caso de amor é intercalado com os capítulos dos melodramas radiofônicos escritos por um radialista que reencarna os folhetinistas do século 19 e os autores de pulp fiction dos EUA. O livro dá um retrato veraz do que era o Peru nessa época. (Houve uma desconchavada adaptação para o cinema, com Keanu Reeves e Barbara Hershey, transpondo a ação para Nova Orleans, já que o público dos EUA não se interessa por histórias passadas em países que ele não sabe onde ficam.) Não sei se o Nobel foi justo, sei que os dois livros que li de Vargas Llosa podem ser relidos até o fim da vida.

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