quinta-feira, 29 de julho de 2010
2306) “O Olho do Diabo”(29.7.2010)
Ingmar Bergman é um dos grandes realistas do cinema, mas seus filmes fantásticos também são notáveis, entre outras coisas porque, como todo grande realista, quando ele conta histórias fantásticas sabe dar-lhes espessura realística, o que torna o fantástico também mais espesso. É o caso de um dos seus filmes mais famosos, O Sétimo Selo, em que um cavaleiro medieval joga xadrez com a Morte.
O Olho do Diabo (1960) é um filme menor, desdenhado (ao que se diz) pelo próprio Bergman, que o dirigiu apenas para atender ao produtor de A Fonte da Donzela, que fez no mesmo ano. É um filme com estrutura e apresentação teatral, onde um ator, folheando um livrão, anuncia que vai contar uma história. A história é a de uma moça (Bibi Andersson) que pretende casar virgem; isso incomoda o Diabo, que convoca Don Juan para vir à Terra e seduzi-la. É, portanto, um conto moralista à moda do século 18 ou 19, e que Bergman narra com mão leve e ágil. Ele evita a farsa, sabendo que não é seu terreno; a história tem charme e leveza em alguns momentos, e em outros mergulha nas angústias existenciais e enigmas metafísicos de que o diretor tanto gosta.
Don Juan está condenado a uma eternidade no inferno: seu tormento é o de todos os dias receber em seus aposentos mulheres desesperadas ou apaixonadas, que ele seduz, mas que desaparecem quando ele consegue levá-las para a cama. Sua vinda à Terra é supervisionada por um Diabo vestido de padre, que se transforma de vez em quando num gato preto. Don Juan traz consigo seu fiel criado Pablo, o qual, enquanto o patrão seduz a mocinha, faz o mesmo com a mãe dela, cujo marido, um pastor bonachão e meio papalvo, hospeda os dois em sua casa sem desconfiar de nada. O melhor do filme de Bergman é que, ao narrar uma historieta tão esquemática quanto um libreto de ópera bufa, trata realisticamente os personagens. Todos são contraditórios. Todos são surpreendentes. Nenhum deles fica ancorado à caricatura, e todos produzem pequenas reviravoltas na narrativa, que de galhofeira fica repentinamente séria, ou vice-versa.
“A pureza de uma mulher é um terçol no olho do Diabo”, diz o provérbio citado na abertura do filme. Bibi Andersson e Gertrud Firdh, que interpretam a mãe e a filha, dão uma riqueza de nuances às suas personagens , que variam o tempo inteiro entre pudicas e oferecidas, vulneráveis e sedutoras. As cenas do Inferno (na verdade um escritório cuja janela dá para o Fogo Eterno) reproduzem o conceito tradicional do Diabo como uma mistura de aristocrata e burocrata. No final, há um diabo-assistente capaz de ouvir à distância (e relatar) os ruídos e as falas da mocinha em sua noite de núpcias. Há outra cena divertida em que Don Juan, antes da viagem, recebe instruções sobre as características da sensualidade das mulheres nórdicas. O Olho do Diabo é também um filme inesperadamente perceptivo sobre a mecânica da sedução.
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