terça-feira, 27 de outubro de 2009

1332) Literatura Geométrica (20.6.2007)




É a literatura que privilegia a estrutura, a simetria, a disposição harmônica entre suas partes, dando-lhes a mesma importância que dá ao enredo, aos personagens, ao estilo. 

Acho que os autores que escrevem dessa forma têm uma certa influência da pintura clássica Renascentista, em que a “composição do quadro” era tão importante quando o assunto representado. 

Proporção, harmonia, dinamismo, estabilidade vs. instabilidade, conflito vs. serenidade, tudo isto aqueles pintores exprimiam através do posicionamento das formas, massas e cores. E os modernos escritores o fazem através do posicionamento dos capítulos, do entrelaçamento de histórias, da trajetória ficcional dos personagens e de outros recursos.

Jorge Luís Borges tem um conto policial, “A Morte e a Bússola”, baseado no conflito entre duas formas geométricas: o triângulo e o losango. Os crimes sugerem a aplicação de uma das formas; o detetive intui que por trás desta primeira existe a indicação da segunda; segue as pistas correspondentes e vai ao encontro do criminoso, na última cena, na qual uma surpresa o espera. 

O romance V de Thomas Pynchon consta de duas narrativas separadas e convergentes, imitando o desenho dessa letra. 

O romance O Jogador Adversário de Ellery Queen é baseado (por motivos místico-simbólicos) no formato da letra Y: dois personagens se mesclam no final numa única identidade, e ficamos sabendo quem é aquele criminoso sem rosto cujos passos acompanhamos desde o início.

Escritores de temperamento visual recorrem a isto com freqüência, como Osman Lins, que construiu seu Avalovara reproduzindo o movimento de uma espiral em torno de um quadrado de 25 casas, a cada uma das quais corresponde a letra de uma frase que é um palíndromo, pode ser lida em qualquer direção: “Sator arepo tenet opera rotas”, “O lavrador mantém com cuidado o arado em seu sulco”. 

Um rótulo para esta literatura teria que incluir também a idéia de serialidade, uma estrutura em que uma série preexistente de elementos (A-B-C-D-E...) é mimetizada numa outra série. Exemplo clássico é o Ulisses de Joyce refletindo de um a um os episódios da Odisséia, ou O Caso dos Dez Negrinhos de Agatha Christie refletindo os versos de uma canção infantil.

Geometrizar uma narrativa significa muitas vezes que o autor está se dando um trabalho enorme para produzir certos efeitos que não serão percebidos pelo leitor. 

No caso do romance policial, que pelas regras próprias do seu jogo pode deixar explicitadas estas pistas, o efeito é mais fácil de executar. Mas para sabermos que determinados capítulos de Avalovara têm o mesmo número de linhas precisamos da informação do autor, porque acho que ninguém estava contando. 

Muitos segredos da grande literatura estão soterrados neste tipo de concepção estrutural, porque, como a planta-baixa de um prédio, só podem ser deduzidos por quem tem olho treinado e reconstitui mentalmente estas formas ao caminhar pelos aposentos.







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