sexta-feira, 21 de agosto de 2009

1210) Canções de cidade (28.1.2007)



Como sabe o leitor, estou em plena campanha visando à redefinição dos gêneros da MPB a partir das letras, e não dos ritmos. Abaixo essa besteira de samba, xaxado, hip-hop. Que tal classificarmos as músicas pelo que elas efetivamente dizem, e não pela gratuita variação de padrões percussivos? Vejamos o exemplo de hoje: Canções de Cidade. Poderíamos encher um Napster inteiro só com canções que homenageiam cidades famosas ou obscuras, reais ou imaginárias. Está na memória racial da Humanidade, há milênios. É algo com mais tradição do que a valsa ou os blues.

Há cidades óbvias pela sua beleza ou sua importância histórica, portanto não vou perder tempo enumerando canções que celebram Paris, Nova York, Rio de Janeiro ou Campina Grande. Prefiro as canções onde alguém canta uma cidade que nunca nos tinha passado pela cabeça. Uma das cidades mais vilipendiadas de nosso país é São Paulo, mas o amor por ela gerou jóias como "Sampa" de Caetano ou "São São Paulo Mon Amour" de Tom Zé. São “canções de migrante” ao contrário: o migrante celebrando o lugar onde foi parar, e não o lugar de onde partiu. Algo parecido com que fez o exilado Caetano em “London, London”.

É natural que um compositor celebre a cidade em que nasceu, daí termos Ataulfo Alves falando de Miraí, Antonio Maria falando de Recife, Ednardo e Fagner falando de Fortaleza, Lennon & McCartney celebrando Liverpool através de “Penny Lane” ou “Strawberry Fields Forever”. Mas prefiro lembrar surpresas como Chico Buarque fazendo uma canção de ficção científica para a cidade natal de Zé Ramalho, Brejo do Cruz (embora ele intitule a música “Brejo da Cruz”). Garotos que comem luz, que voam pelos céus do Brasil, que viram mutantes nas grandes metrópoles... Uma homenagem indireta ao nosso bardo rock-surrealista, talvez, através da celebração do seu lugar de origem.

A improvável Londrina ganhou uma canção homônima de Arrigo Barnabé, defendida num festival por Tetê Espíndola: “Nuvens vermelhas no céu / na terra, silêncio...” Curiosamente, esta música aparece em vários saites atribuída a Eduardo Dusek. Outra curiosidade é a canção “Maringá” de Joubert de Carvalho, que cita uma cidade paraibana (Pombal) e batizou uma cidade paranaense. A famosa “Petrolina e Juazeiro”, regravada e recantada Brasil afora, consegue diplomaticamente celebrar as duas cidades separadas por um rio e unidas por uma ponte. Milton Nascimento homenageou sua “Três Pontas”. Chuck Berry homenageou “Memphis, Tennessee”. Leiber & Stoller celebraram “Kansas City”, gravada até pelos Beatles.

Celebrar uma cidade não é apenas fazer uma canção ufanista, mas capturar em letra, melodia e ritmo alguma coisa do espírito dessa cidade, o suingue local, a fala das ruas, o som do sotaque, o balanço de seu ritmo urbano, o sentido de suas casas e suas cores, mesmo quando a canção é sofrida, quando fala da distância entre a cidade e o poeta, que afinal é a distância entre qualquer cidade e cada um de nós.

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