sexta-feira, 21 de agosto de 2009

1207) Usina de Sonhos (25.1.2007)



Essa noite eu estava numa cidade qualquer com amigos, de madrugada, fazendo farra. Fizemos tanto barulho na rua que a polícia veio e nos levou para a delegacia, onde um delegado nos passou uma descompostura, dizendo que aquilo não era papel para jovens de família, e ameaçando fazer-nos passar a noite no xilindró. Eu estava meio de banda, sem dar muita atenção, e, para me distrair comecei a improvisar um repente, dizendo em voz alta: “Eu sou tão pobre / tenho um par de chinela / um paletó de flanela / pra fazer comida fria”. O verso saiu tão ruim que acordei, sobressaltado.

De vez em quando me acontece compor versos inteiros, geralmente sextilhas ou versos de embolada, durante um sonho. Imagino que jogadores de futebol sonhem que estão batendo um escanteio, e que mecânicos sonhem que estão às voltas com um platinado ou um virabrequim. Faz parte dos resíduos do cotidiano que a mente reprocessa durante o sono. Dizem algumas teorias psicológicas que quando dormimos o cérebro age como um caixa de Banco ao encerrar o expediente: dá uma geral em tudo que foi feito, verifica se não houve algum erro, joga fora o que não presta mais, arquiva no devido lugar as coisas que podem ter alguma importância. Esta seria, dizem os especialistas, uma das principais funções do sono e do sonho. Pessoas com privação de sono são acometidas, depois de certo tempo, de surtos de amnésia. Por que? Porque seu processo de “salvar arquivos” foi interrompido.

Ora, depois das 16:00 horas o caixa do Banco não se limita a salvar arquivos. Enquanto faz isto, ele conversa com os colegas, escuta MP3 no Ipod (se o gerente for gente boa), atende o telefone, fala da vida alheia. No caso do nosso cérebro, a função organizadora de memórias atua em paralelo com as outras funções, entre elas o que eu chamo de “função fantasista” ou “função fabulatória”, aquela que nos faz inventar pequenos episódios que não aconteceram, a partir de detalhes que vemos ou lembramos.

Fazemos isto o tempo inteiro quando estamos acordados. Às vezes, temos três convites para sair à noite: cerveja com amigos, cinema com a namorada, festa na casa de Fulano. Temos que escolher apenas um, e no processo de escolha criamos pequenas ficções antecipatórias para avaliar qual das opções é mais promissora. Imaginamos velozmente, em cada caso, como vai ser, como vamos chegar no local, quem poderemos encontar, as situações que podem surgir, o grau de diversão e de prazer de cada uma. E este sistema de criar historinhas nos ajuda a tomar decisões.

Durante o sono, inventamos situações, só que desta vez não é a mente consciente que cria, a mente voltada para administrar nossa relação com o mundo exterior. Desta vez quem cria não é o médico, é o monstro. No bom sentido, claro: o monstro é essa coisa torta, barroca, gigantesca, descomedida, a que o médico chama “o Inconsciente” e que deveríamos ter a coragem, como Augusto dos Anjos, de chamar apenas, em letras garrafais: EU.

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