De uma viagem a Mossoró guardei como lembrança o livro Dez Cordéis num Cordel Só do poeta Antonio Francisco. Como o nome indica, são dez folhetos que haviam saído em separado e que o poeta juntou neste volume (Ed. Queima Bucha, Mossoró, 2003).
Poeta de verbo fluente e ótimo recitador, Antonio Francisco tem outras obras publicadas, mas esta coletânea dá uma ótima medida de sua imaginação e de suas virtudes no trato com a palavra.
A maioria dos poemas deste livro têm uma visão crítica do mundo de hoje com seu materialismo, egocentrismo, apego ao dinheiro e desprezo ao meio ambiente. O poeta imagina diversas circunstâncias fantásticas em que o seu narrador é transportado para um ambiente que serve de espelho deformado do nosso mundo, ou então serve de Utopia às avessas que deixa à mostra os nossos erros.
Em “Meu Sonho”, é um mundo onírico, voltado para o trabalho e a educação:
As crianças daqui brincam
com paquímetro de aço puro,
esquadro, régua, compasso,
martelo de ferro duro
-- são brinquedos da infância
e ganha pão do seu futuro.
Em “Do Outro Lado do Véu”, é uma nave espacial que pega o narrador no roçado e o transporta para um lugar remoto onde se extraem, das almas humanas, suas emoções boas ou más, que servem de matéria-prima para os fenômenos da Natureza:
Com dez gramas de orgulho
e trinta de vaidade
toda criança aqui faz
uma grande tempestade
capaz de riscar do mapa
num minuto uma cidade.
Antonio Francisco tem uma enorme fluência de estilo, é um daqueles poetas que, sem forçar a mão, parecem rimar e metrificar espontaneamente. O que não é tão freqüente quanto parece, no mundo do cordel.
Uma coisa que se encontra muito no cordel é uma sextilha onde a terceira rima parece enfiada “na marra”, como se somente ao chegar no fim da estrofe o poeta percebesse que a última linha precisa rimar com a segunda e a quarta; aí aparece uma palavra caída de paraquedas somente para fechar a sextilha. Nos versos de Antonio Francisco, isto raramente, ou nunca, acontece.
“A Oitava Maravilha” é a história divertida do deus mitológico Cafuné, que escavou sozinho o leito do Rio São Francisco. “A Arca de Noé” é uma alegoria do desmatamento do Brasil, comparando-o com a arca do patriarca bíblico, que se distraiu e levou para dentro dela um casal de cupins.
Em “Os Sete Constituintes”, o narrador dorme em cima de uma árvore e testemunha às escondidas um encontro de diversos animais (o burro, o morcego, o rato, a cobra, etc.) que se queixam da brutalidade e da ignorância do Homem:
O morcego abriu as asas
deu uma grande risada
e disse: Eu sou o único
que não pode dizer nada
porque o Homem pra nós
tem sido até camarada.
Constrói castelos enormes
com torre, sino e altar
põe cerâmica e azulejos
e dão pra gente morar
e deixam milhares deles
nas ruas, sem ter um lar”.
É uma voz nova e vigorosa, na tradição crítica e satírica do cordel clássico.
2 comentários:
Já tive o privelegio de ver e ouvir pessoalmente este grande poeta mossoroense, um homem bem visto aos meus olhos, admiro muito o trabalho desse escritor, tive a grandeza de fica sozinho com ele e conversar, aprendi muita coisa. Tenho um enorme prazer pela arte de escrever, por isso, passei aqui para dá meus Parabéns por você também estar dando enfase a esse poeta e professor da vida que é ANTÔNIO FRANCISCO...
O bom no seu comentario, é que voce percebeu a riqueza da sextilha de Antonio.
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