sábado, 28 de março de 2009

0925) O cordel de Antonio Francisco (4.3.2006)




(poeta Antonio Francisco)

De uma viagem a Mossoró guardei como lembrança o livro Dez Cordéis num Cordel Só do poeta Antonio Francisco. Como o nome indica, são dez folhetos que haviam saído em separado e que o poeta juntou neste volume (Ed. Queima Bucha, Mossoró, 2003). 

Poeta de verbo fluente e ótimo recitador, Antonio Francisco tem outras obras publicadas, mas esta coletânea dá uma ótima medida de sua imaginação e de suas virtudes no trato com a palavra.

A maioria dos poemas deste livro têm uma visão crítica do mundo de hoje com seu materialismo, egocentrismo, apego ao dinheiro e desprezo ao meio ambiente. O poeta imagina diversas circunstâncias fantásticas em que o seu narrador é transportado para um ambiente que serve de espelho deformado do nosso mundo, ou então serve de Utopia às avessas que deixa à mostra os nossos erros. 

Em “Meu Sonho”, é um mundo onírico, voltado para o trabalho e a educação: 

As crianças daqui brincam 
com paquímetro de aço puro, 
esquadro, régua, compasso, 
martelo de ferro duro 
-- são brinquedos da infância 
e ganha pão do seu futuro. 

Em “Do Outro Lado do Véu”, é uma nave espacial que pega o narrador no roçado e o transporta para um lugar remoto onde se extraem, das almas humanas, suas emoções boas ou más, que servem de matéria-prima para os fenômenos da Natureza: 

Com dez gramas de orgulho 
e trinta de vaidade 
toda criança aqui faz 
uma grande tempestade 
capaz de riscar do mapa 
num minuto uma cidade.

Antonio Francisco tem uma enorme fluência de estilo, é um daqueles poetas que, sem forçar a mão, parecem rimar e metrificar espontaneamente. O que não é tão freqüente quanto parece, no mundo do cordel. 

Uma coisa que se encontra muito no cordel é uma sextilha onde a terceira rima parece enfiada “na marra”, como se somente ao chegar no fim da estrofe o poeta percebesse que a última linha precisa rimar com a segunda e a quarta; aí aparece uma palavra caída de paraquedas somente para fechar a sextilha. Nos versos de Antonio Francisco, isto raramente, ou nunca, acontece.

“A Oitava Maravilha” é a história divertida do deus mitológico Cafuné, que escavou sozinho o leito do Rio São Francisco. “A Arca de Noé” é uma alegoria do desmatamento do Brasil, comparando-o com a arca do patriarca bíblico, que se distraiu e levou para dentro dela um casal de cupins. 

Em “Os Sete Constituintes”, o narrador dorme em cima de uma árvore e testemunha às escondidas um encontro de diversos animais (o burro, o morcego, o rato, a cobra, etc.) que se queixam da brutalidade e da ignorância do Homem: 

O morcego abriu as asas 
deu uma grande risada 
e disse: Eu sou o único 
que não pode dizer nada 
porque o Homem pra nós 
tem sido até camarada. 

Constrói castelos enormes 
com torre, sino e altar 
põe cerâmica e azulejos 
e dão pra gente morar 
e deixam milhares deles 
nas ruas, sem ter um lar”. 

É uma voz nova e vigorosa, na tradição crítica e satírica do cordel clássico.





2 comentários:

José Borges Neto disse...

Já tive o privelegio de ver e ouvir pessoalmente este grande poeta mossoroense, um homem bem visto aos meus olhos, admiro muito o trabalho desse escritor, tive a grandeza de fica sozinho com ele e conversar, aprendi muita coisa. Tenho um enorme prazer pela arte de escrever, por isso, passei aqui para dá meus Parabéns por você também estar dando enfase a esse poeta e professor da vida que é ANTÔNIO FRANCISCO...

Gustavo Luz disse...

O bom no seu comentario, é que voce percebeu a riqueza da sextilha de Antonio.