A primeira razão é que o medo é inevitável. É possível que alguém passe a vida inteira sem experimentar o amor, a saudade, o ódio. Mas – o medo? Duvido. Pense num bebê de um ou dois anos, no rosto assustado com que ele encara um desenho, uma imagem na TV.
Amor e ódio precisam de um mínimo de justificativa; o medo não. É um sistema-de-alarma embutido em nossos neurônios há milhões de anos. Devemos em grande parte a esse sistema a nossa sobrevivência como espécie. Se não há como fugir dele, temos que experimentá-lo, saboreá-lo, medi-lo, conhecê-lo a fundo.
Em segundo lugar: o medo é uma revelação. Ele vem de um lugar oculto, e só vem quando quer, não quando nós queremos. Não sei de que modo alguém possa sentir medo voluntariamente. Isso não existe. O medo é algo que nos sobrevém, que nos envolve, queiramos ou não.
Podemos gerá-lo artificialmente (e aqui entram os livros e filmes de terror, etc.), mas será sempre isto: um medo artificial, um medo de mentirinha. Não é o terror pânico, aquele que nos amolece as pernas e nos esvazia os intestinos. Quando experimentar este, caro leitor, agradeça, por mais que a experiência tenha sido humilhante ou constrangedora. Agora você está mais perto de saber quem realmente é.
Terceiro: o medo nos faz manter os pés no chão. E neste caso em particular estou me referindo não ao medroso contumaz, mas ao sujeito metido a valente, ao ousado, ao aventureiro, ao que gosta de enfrentar desafios. Se ele tem a cabeça no lugar, ele sabe que o medo é um bom conselheiro. O conselho que o medo nos dá não é “Bora correr!”
Quando sentimos medo, algo está nos dizendo que finalmente estamos diante de uma coisa que pode nos servir de peso e de medida. Já disse algum filósofo que sujeito corajoso não é o que não sente o Medo, mas o que sabe mantê-lo sob controle e continuar fazendo o que tem pra fazer.
O quarto motivo é que o medo é um ativador aleatório de sistemas. Não sabemos quais são os sistemas de reflexos físicos e mentais que ele vai ativar em nós, mas só saberemos se o experimentarmos. O campo de batalha já mostrou valentões que se encolhem apavorados e sujeitos lesos que se transformam em heróis. A experiência-limite que desencadeia o medo desencadeia também outras reações correlatas que variam de caso para caso.
Em quinto lugar (e esta é uma razão para convencer os mais cínicos) o medo dá dinheiro. Vejam a imensa indústria atual do filme de terror, do romance de terror. (Curiosamente, não se cultiva mais hoje em dia um teatro de terror, a não ser como sátira ou paródia; foram-se os dias do Grand Guignol francês)
É um medo de mentirinha, como afirmei acima, mas pessoas sensatas argumentarão que se é pra sentir medo é melhor divertir-se sentindo um medo inofensivo e sob controle (aí estão os parques de diversão com suas montanhas-russas e o escambau) do que o medo de alguma coisa hostil que nos ameaça pra valer.
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